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  • Qual o preço das suas decisões e conveniências?

    Filme "Que horas ela volta?" mostra dilema de quem trabalha e delega cuidados dos filhos

    Atualizado em

    Lançado em 27 de agosto de 2015, o filme “Que horas ela volta?” já levou mais de 150 mil expectadores aos cinemas brasileiros desde a estreia e ampliou seu circuito de exibição para 156 salas das 78 iniciais (até a data desta publicação). Tendo Regina Casé e Camila Márdila como protagonistas (a mãe Val e a filha Jéssica), aborda o dilema feroz da mulher que precisa sair para trabalhar e ganhar o pão de cada dia, deixando um filho para ser cuidado por outra pessoa.

    A mãe deixa a menina em Pernambuco sendo criada pelo avô e uma mulher, para quem envia quantias em dinheiro regularmente, enquanto ela mesma cuida de Fabinho (Michel Joelsas), filho da patroa de classe média alta numa mansão em São Paulo. Nessa casa, ela reside há treze anos (sendo os dez últimos sem voltar para visitar a filha) e toma conta de tudo – desde que dentro de limites muito bem delimitados pela dona da casa, Dona Bárbara, interpretada com brilhantismo por Karine Teles.

    Quando chega a hora do filho da patroa fazer o vestibular, Val recebe um telefonema da filha pedindo para recebê-la, pois pretende prestar o mesmo concurso. Dentre feliz e apreensiva com o que virá pela frente, Val decide levar a filha para morar na casa também, com o aparente apoio da família.

    Acontece que Val já não conhece mais “essa Jéssica”, agora jovem adulta. Ela tenta com muito esforço enquadrar a filha para repetir o seu comportamento subserviente, respeitar cômodos inacessíveis e comidas proibidas, ao que a moça se rebela sem trégua, com pequenos gestos que são inofensivos, mas gigantes ao demarcar seu espaço. Ela já conquistou seu “lugar ao sol”, tem autoconfiança – o que tenta, revoltada, fazer a mãe ver e ganhar também.

    O filme de Anna Muylaert teve roteiro reescrito quatro vezes antes de ser rodado e foi inspirado na relação de Anna com uma babá contratada para cuidar de seu filho. Foi amadurecido ao longo dos anos e na tela percebemos o quanto é difícil mostrar com sutileza, força e respeito os três pontos de vista – mãe-filha-patroa – principais do longa.

    A patroa paga pelos serviços de Val, mas não admite quando a filha dela se comporta como se fosse da família. Fica enciumada e com raiva, talvez explodindo o ressentimento que já guardava dentro de si há anos pelo fato de Fabinho ser mais carinhoso com Val do que com ela.

    Val, uma mulher dedicada e carente, despeja seu amor sobre o garoto, mas também depende daquele dinheiro que paga os estudos da filha no nordeste, conseguindo proporcionar a ela um futuro de mais abundância.

    Para a filha, as regras sociais tão arraigadas da casa não fazem sentido quando tolhem sua liberdade e expressão pessoal. Afinal, alguém pagou por seus estudos e, como ela bem explica no filme, aprendeu a ter “espírito crítico”.

    Se a questão fosse apenas a transferência de dinheiro e Val prestasse seu serviço morando com a filha em outro endereço, o drama se manteria estável. Mas o fato de dividirem o mesmo espaço torna o ar irrespirável, com a explosão de consciência que a vinda da menina traz, questionando a submissão cega que a mãe tem àquela situação.

    As cenas constrangedoras que o filme mostra já foram presenciadas por muitas pessoas que convivem com patrões e empregados domésticos. O quase abuso do marido Carlos (Lourenço Mutarelli) em relação à Jéssica também é caso comum de vermos em nosso país. Disfarçado de sedução, não passa de assédio barato se considerarmos a enorme diferença que os separa. Afinal, a menina poderia estar disponível aos seus avanços (assim como a mãe estava disponível para todo tipo de demanda diariamente). Mas tudo é escondido atrás de um falso ar de educação e fineza, como se a educação fosse possível sem empatia – não só ao direito do outro, mas principalmente a empatia ao seu bem-estar.

    A beleza desse filme é fazer pensar sobre o papel da mulher – que também é mãe – no mercado de trabalho. Com o que temos que compactuar se precisamos levar dinheiro para casa (e aqui incluo a patroa também, que trabalha fora e deixa seu filho com outra, da mesma forma)?

    Depois da enorme polêmica que a declaração da CEO Marissa Mayer, presidente da Yahoo!, tem alcançado na mídia, esse filme não poderia ser mais atual. Considerada uma das mulheres mais poderosas do mundo, Marissa afirmou que pela segunda vez não irá tirar plena licença-maternidade após a chegada das gêmeas que espera para dezembro de 2015. Deve tirar só 15 dias. Sua fala gerou dezenas de críticas e comentários negativos em jornais, sites e blogs. Algumas das críticas repetiam que ela só podia fazer isso porque tinha várias pessoas trabalhando diretamente para ela e para as bebês; outras a criticaram por considerarem que uma figura pública não pode dar um exemplo prejudicial à maioria das mulheres que não têm seu poder econômico e não podem sustentar a mesma estrutura em casa.

    Mesmo assim, apostaria que Marissa irá enfrentar dores semelhantes às da Val do filme: o não direito de educar pessoalmente seus filhos, a falta de tempo e energia para cuidar de si e deles, a culpa e o ressentimento da criança, além de ter que se enquadrar em um consumismo desenfreado que nos é apresentado como nossa única opção de viver… Enfim, uma série de questões que vão se sobrepondo ao ponto de não sabermos mais o que foi realmente “nossa escolha” ou se a correnteza nos levou. Precisamos mesmo refletir sobre o preço que se paga por certas decisões e conveniências.

    Para continuar refletindo sobre o tema

    Veja aqui o trailer oficial do filme “Que horas ela volta?”

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    Carla Panisset

    Carla Panisset

    Especialista em Aumento de Performance Profissional e transição de carreira. Treinadora, Comunicóloga e Relações Públicas. Já treinou mais de 1.000 líderes e profissionais brasileiros, tendo 25 anos de carreira. Facilitadora de Biodanza® Sistema Rolando Toro (em formação).

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