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Você reconhece o seu lado feminino?

Mulheres e homens precisam despertar para a leveza, flexibilidade e paz interior

Atualizado em

Sou filha da geração que viveu e promoveu a grande transformação social que foi o movimento feminista e lutou pelas conquistas que usufruo hoje como “status quo”.

Confesso que nunca vivi na minha carreira diferenças por ser mulher, apesar de saber que isso não é uma realidade para muita gente. E, de fato, sempre me dediquei a alcançar os espaços sem medo ou receio de que não poderia ocupá-los em função de meu gênero.

Essa foi a criação que tive e foi a vida que pude levar graças ao movimento feminista na década de 1960, ao qual sou profundamente grata.

Contudo, esse artigo não tem o objetivo de discutir, rejeitar ou reforçar qualquer ideia deste movimento. Quero falar de uma transformação profunda que vivi e que considero uma jornada importante de ser considerada neste dia 8 de março: a descoberta do espaço que homens e mulheres têm dado ao próprio lado feminino.

Isso nada tem a ver com o papel objetivo que a mulher tem na sociedade, mas com o espaço que temos dado às nossas características mais instintivas e, consequentemente, com o reflexo disso na sociedade.

Para entender melhor, vamos retornar ao princípio de ying e yang, que na tradição oriental é considerado a base de todas as energias do universo. Duas energias complementares e opostas, presentes em tudo que existe.

Os princípios yin e yang

Símbolo das energias yin e yang (Imagem: Istock)

O yin é o princípio feminino, da flexibilidade e introspecção. É também simbolizado pelo frio, pela noite e pela água, trazendo as características da delicadeza e sutileza.

É uma energia mais acolhedora, costumo relacionar também às formas mais arredondadas.

Na alimentação macrobiótica, também uma tradição oriental, são os sabores mais adocicados, alimentos que fazem você se sentir leve, como frutas e comidas cruas.

Aprendi, ainda, que no Feng Shui tradicional chinês, um ambiente mais yin tem mais móveis, o chi (que é a energia vital) entra e permanece. Você tem vontade de ficar para relaxar e se restabelecer, mas não é muito indicado para atividades dinâmicas, como trabalhar ou estudar.

Lendo tais características se torna muito fácil perceber porque o yin está ligado ao princípio feminino.

A mulher tem o corpo naturalmente mais cheio de curvas, é também sensível e aconchegante como o colo de uma mãe, uma amiga ou irmã. Nossa vagina é um órgão receptivo e o útero é capaz de acolher um ser durante nove meses. Somos suaves e macias. Somos naturalmente mais intuitivas e sensíveis.

o princípio yang é do masculino, do sol e da ação mais firme. Enquanto o yin é intuição, o yang está ligado ao pensamento lógico. É quente e sua estação seria o verão. Rapidamente fica bem clara a diferença entre as duas energias. Um yang em excesso chega a levar à agressividade e à rigidez.

Na alimentação, essa energia é estimulada pelos alimentos salgados, pesados e cozidos, como as carnes.

No Feng Shui, são os ambientes mais livres de móveis, onde a energia se movimenta mais facilmente. Você fica ali de passagem ou para exercer atividades que precisem de movimento e realização.

O corpo do homem é mais firme, ganha músculo com mais facilidade e tem formas mais retas, como o próprio pênis. E enquanto o seio de uma mulher estimula um colo aconchegante, o do homem é mais “seco” e rígido.

O lado feminino precisa fazer parte da vida de todos

Com tudo isso em mente, vamos olhar para a nossa vida e ver quais qualidades estão mais presentes. Do ponto de vista físico, o padrão de beleza no geral tem sido o de um corpo mais yang.

Das formas retas das modelos magras aos padrões fitness de músculos extremamente rígidos, homens e mulheres têm buscado um corpo mais yang. Um físico mais suave, com a maciez de uma pele feminina está longe dos padrões atuais e pode ser facilmente confundido com flacidez.

Até mesmo a busca por um corpo mais curvilíneo, muitas vezes é feita por meio de próteses de silicone, que trazem uma curva “dura”, firme, que também não é um boa representação da maciez do feminino.

É importante que esta análise não pareça uma crítica a quem faz um procedimento estético ou busca tal estilo de beleza. Sou a favor das pessoas construírem a própria autoestima e autoconfiança para viverem bem na sociedade atual.

E isso passa essencialmente por autoconhecimento e amor próprio, mas também pode mudar externamente e fisicamente aspectos que simbolizam fortemente desafios interiores. Os dois podem caminhar juntos, sempre com consciência do porquê tal movimento ou mudança está sendo feita.

Mas, independente disso, tal busca estética simboliza este aspecto mais yang da nossa sociedade atual.

Nestas reflexões, o objetivo é começarmos a questionar o quanto temos aberto espaço interior para o princípio yin e as características femininas e, consequentemente, na sociedade. Porque a sociedade é um reflexo de quem nós somos.

Ou melhor, de quem temos sido. E se mudanças interiores não acontecem, corremos o risco de nós, mulheres, conquistarmos cada vez mais espaço, mas fortalecendo ainda mais o princípio yang e masculino no mundo.

Carolina Senna (de rosa), autora do artigo, praticando Yoga com seus dois filhos. A diretora do Personare busca constantemente equilibrar sua energia masculina e feminina (Imagem: Juliana Ramos – Casa da Águia)

Outro símbolo forte do lado feminino e da energia yin é a mãe. A gestação é um processo de geração e fusão completa com outro ser.

Neste período, a mulher se funde à energia do feto que ela está gerando e que, ao mesmo tempo, está recriando esta mulher que o gera.

Uma mulher nunca é a mesma durante uma gestação e dificilmente vira mãe sem viver transformações profundas.

Podemos culpar os hormônios, mas podemos também olhar para o símbolo máximo da energia yin: a água que se molda e se adapta, símbolo também do nosso emocional que fica aflorado no período, assim como a intuição e a flexibilidade.

Quando o bebê nasce, a mãe é colo, alimento para corpo e para a alma. É aconchego, entendimento e perdão. Podemos nos sentir exaustas e desesperadas no pós-parto, mas não criamos ressentimento pela criança que está chorando horas e horas.

Temos entendimento de que é só um bebê que tem limitações e precisa de algo, mesmo que isso possa ser exaustivo. É claro que existem casos extremos, pessoas com problemas crônicos ou momentâneos, como a depressão pós-parto, mas são distorções que precisam ser observadas e tratadas. E podem até derivar de desequilíbrios prévios do aspecto feminino.

Agora pergunto:

  • O quanto você tem dado colo para si mesmo quando precisa?
  • O quanto tem praticado o entendimento e o perdão com seus próprios erros e limitações?

Uma mãe não deixa de aceitar o seu bebê porque ele mama mais ou menos. Ela pode ter dificuldades de lidar com a situação, desejar que fosse diferente, mas ela não devolve seu filho para a “fábrica”. O amor está ali.

E pergunto novamente:

  • O quanto temos nos aceitado quando não temos o corpo da capa da revista, o sucesso que o outro aparentemente tem ou não desempenhamos como queríamos?
  • Enquanto sociedade e modelo de trabalho, entendemos as dificuldades momentâneas de determinados profissionais e damos mais tempo para eles se recuperarem e desempenharem sua função?
  • O quanto olhamos para pessoas como números? Na folha de pagamento, na lista do que cortar e nos números do marketing?
  • O quanto olhamos para a pessoa no trânsito, na fila do banco ou no dia a dia, com entendimento e perdão?

Talvez esses sejam exemplos mais difíceis de alcançar, mas olhando para nós mesmos, reflita: o quanto temos flexibilidade para reconhecer que precisamos de mais tempo de descanso e de mais horas de noite, sono, introspecção? Ou seja, de mais momentos yin.

Estamos sempre fazendo algo, como se fosse um eterno dia (yang). Durante 24 horas acessando as redes sociais, cobrando mais iniciativas, mais estudo, mais certificados, mais pensamento lógico, mais resultados.

Mais coisas, roupas e objetos que, consequentemente, acabam nos cobrando mais dinheiro e nos colocam no ciclo de ação constante que leva ao esgotamento e aos altos níveis de estresse atuais. Segundo a International Stress Management Association (ISMA), 70% dos trabalhadores brasileiros sofrem de estresse.

Pensando nisso, reflita:

  • O quanto você tem respeitado os seus ciclos interiores e momentos de descanso?
  • Quanto tempo tem dedicado a atividades yin, introspectivas, como o silêncio e a Meditação?
  • O quanto tem olhado para dentro e respondido à pergunta: do que eu realmente preciso nesse momento?

Podem parecer tão surreais essas perguntas nos dias de hoje, justamente porque vivemos numa sociedade extremamente yang. E estamos inflexíveis, na rigidez de achar que a vida é assim.

Nações se mostram cada vez mais yang

Estamos assistindo ao endurecimento de várias nações e populações inteiras começam a caminhar para posições mais extremistas. São ideias mais duras, inflexíveis, bem yang. De novo, sem preconceito.

Os extremos têm o papel na sociedade de mostrar um ponto de vista, gerar a reflexão. O problema é quando nações inteiras começam a se tornar inflexíveis e duras em suas políticas, desconsiderando outros ângulos de visão.

Sem espaço para a flexibilidade yin, o equilíbrio se perde.

E isso não é culpa de determinado governante, país ou daquela pessoa, está dentro de todos nós.

As características yang não são ruins. Foram e são extremamente necessárias à evolução da nossa sociedade. O problema é que estão em excesso e prevalecem sobre o princípio feminino do yin. Se observarmos o símbolo do yin e yang, ele é equilíbrio.

O princípio feminino cresce, mas não ocupa totalmente o lugar do outro e abre espaço para o princípio masculino se expandir também. E no núcleo de cada energia tem o princípio da outra, reforçando ainda mais a fusão das duas forças e a harmonia entre elas.

Precisamos abrir espaço para o yin em nossas vidas e encontrar esse equilíbrio entre nosso lado femininos e nosso lado masculino. E, de novo, isso não é culpa dos homens e do patriarcado. É responsabilidade de todos nós.

Homens e mulheres precisam olhar para dentro e buscar mais essa flexibilidade, intuição, descanso, leveza na vida.

As mudanças que queremos não vão acontecer enquanto não fizermos esse movimento interior de deixar o feminino aflorar.

Contudo, escrevo esse artigo antes do Festival Comida e o Feminino porque acredito que esse movimento precisa brotar das mulheres. Mesmo as mais yang (e me considero uma delas!) têm a essência yin gritando dentro de si. E é desse princípio que o mundo precisa.

Precisamos reconhecer o princípio feminino, entendê-lo e começar a abrir espaço para ele, de dentro para fora: nas nossas atitudes interiores e nas escolhas que fazemos em nossa vida.

E quanto mais a mulher passar a reconhecer o seu lado feminino com orgulho e naturalidade, talvez mais facilmente o homem consiga abraçar seu lado yin e tomar gosto pela coisa.

E, então, pode ser que o perdão fique mais fácil, as soluções diplomáticas sejam o novo padrão e as ideias criativas inclusivas prevaleçam no mundo.

Carolina Senna

Carolina Senna

Sócia-fundadora do Personare e diretora da empresa há 14 anos. Nesta trajetória, passou a entender a fundo as causas e consequências dos grandes males da "vida moderna", como estresse e depressão.

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