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Você vive um amor doentio?

Veja exemplos de padrões familiares perpetuados e que demonstram como as pessoas podem adoecer dentro de suas próprias casas

Atualizado em

Por acaso, você viveu uma infância com pais que colocaram você no lugar de quem iria cuidar deles quando chegassem na velhice? O amor doentio pode se manifestar de diversas formas, inclusive algumas que parecem inocentes e que alguém algum dia acreditou que era certo e transmitiu aos familiares ao longo dos anos.

Em certos casos, pessoas que passam por essa demanda nunca criam asas capazes de voar para gerar suas próprias famílias em outra casa ou, se criam, acabam nem mesmo sendo tão presentes com as questões da família que construíram.

Por acaso, os membros de sua família te colocaram no lugar do doente, daquela pessoa que não é capaz de cuidar de si mesma na infância? 

Se você passou por isso, pode ser aí que se encontra a sua dificuldade de se sentir forte o suficiente para prosseguir com seus sonhos, dos mais simples como conquistar uma graduação até o de ser amada(o) por uma pessoa que queira compartilhar uma vida com você.

Na sua família, as pessoas não acreditaram muito no seu potencial? 

Pode ser por isso que você não dá muito valor ao que conquista, mesmo que tenha sido por mérito seu e de suas qualidades únicas.

O olhar do outro sobre nós, inclusive o que se fala sobre nós na infância e adolescência, pode ser cruel demais ao ponto de não deixar que nós, como sujeitos de nossas próprias vidas, possamos fazer escolhas para sermos felizes.

Sabe aquela pessoa que sempre escolhe errado? O parceiro errado? O emprego errado? 

Ela pode ter ouvido muito ao longo de sua vida a seguinte frase: “você nunca está satisfeita(o) com nada”. 

E, assim, faz uma validação do que acreditaram sobre ela e ela passou a acreditar sobre si mesma(o) e de forma inconsciente busca percursos na vida para comprovar o que um dia disseram sobre si.

Não estou me referindo apenas ao que é dito. São posturas e olhares que inferiorizam a criança da casa, que não a deixam principalmente se expressar na sua grandeza de ser uma pessoa.

Infelizmente, muitos pais preferem, como forma de superproteção, colocar seus filhos em redomas sangrentas que os fazem sofrer as dores dos pais que não foram resolvidas. Vou dar exemplos disso a seguir.

Os padrões familiares são, muitas vezes, este tipo de redoma, algo que alguém um dia acreditou que era o certo a ser vivido pelos seus parentes e que foi transmitindo ao longo dos anos.

Tipos de amor doentio

Exemplo 1

Uma família aparenta ser muito unida e isso parece ser muito bonito de ser ver. 

Mas ao aprofundarmos nosso olhar sobre o comportamento que rege a família, parece que um filho está sempre tentando gerar a paz entre todos, como se sua vida fosse repleta dessa responsabilidade. 

Assim, esse filho vive uma vida sem nem mesmo se questionar se o comportamento que ele repete é algo que ele escolheu seguir ou que lhe foi ensinado por alguém. 

Além disso, seu irmão sempre apronta com ele de várias maneiras possíveis, fazendo gastos que não pode pagar e cobrando que este filho repleto de responsabilidade com a vida da família assuma este posto. 

Quando alguém externo critica a postura do seu irmão gastador excessivo, este rapaz passa a ter grande ódio de quem julga a dinâmica de sua família inadequada.

 Exemplo 2

Uma família em que há uma rejeição transmitida por gerações de uma filha mulher

A mãe rejeita uma das filhas e a coloca na posição de ter de cuidar da casa e dos irmãos, enquanto os demais filhos vivem sua vida normalmente. 

Esta filha rejeitada teve seus filhos e rejeitou uma delas, entregando-a  para sua sogra criar. 

Uma das filhas da primeira a ser rejeitada também rejeita sua filha,que acaba por rejeitar seus dois filhos.

Parece que essas pessoas não demonstram entendimento sobre sua história de vida, não é? 

Mas a verdade é que somos muito cegos para nossas repetições e, por isso, é tão importante conhecer nossa história e até nossa pré-história para não repetir os mesmos caminhos e elaborar o que realmente queremos viver.

É muito interessante observar como os processos na vida de uma mesma pessoa se repetem e a maneira como somos amados dentro de nossa família pode ser a maneira como buscamos ser amados por nosso parceiro, mesmo que isso seja feito de forma completamente inconsciente.

Exemplo 3

É uma família composta por 3 mulheres: a avó, a mãe e a filha. 

A mãe teve sua filha e acredita que é responsabilidade da avó e “até lhe faz bem” cuidar da neta, sendo que a menina não recebe nenhum tipo de limite e é tipicamente aquele tipo de criança mimada que vemos por aí. 

Um dia, após a menina mostrar desvio de conduta sério – agressão verbal e física com a avó -, a mãe decidiu levar a filha no psiquiatra e o médico lhe disse que quem precisava de tratamento urgente era a mãe.

Exemplo 4

Uma mulher adulta me procurou porque estava passando por muitas dificuldades em seu casamento.

Foi traída e vivia num ciclo de ciúme e grande dor ao tentar controlar seu marido. 

Logo na primeira sessão, ela se lembrou de como sua mãe lhe ensinou a não depender de homem nenhum, mas que os homens são dependentes das mulheres.

E como ela era muito jovem, tinha que dar conta de cuidar de seus irmãos na infância.

Durante o processo de análise, ela se sentia completamente presa a essa posição de ter de cuidar de seu marido, mesmo que sua relação já estivesse completamente desgastada e sem previsão de melhora.

Mas ocupar esse lugar maternal com seu marido lhe angustiava e lhe causava dúvidas se realmente era amor que ela sentia por ele e vice-versa.

Infelizmente, esta paciente não continuou seu tratamento e demonstrou muita relutância para sair dessa zona de (des)conforto que aprendeu de forma errada na sua casa, com sua família e reverberou em seu casamento. 

Ela nem mesmo consegue discutir a relação com seu marido e isso só piorava sua tristeza, porque ela não acreditava ser capaz de sair deste lugar de sofrimento e viver um relacionamento mais saudável e leve até mesmo com seu marido ou com um novo pretendente.

Este exemplo demonstra claramente que há conflitos muito grandes entre sair do que é ensinado a vida toda de forma distorcida sobre o que é amar e a permissão que a própria pessoa se dá de mudar, de fazer diferente sua maneira de se colocar em sua vida.

Claro que é possível mudar, mas nem sempre as pessoas se libertam do que não as satisfazem e preferem ficar dentro de suas prisões.

 

Interpretando os amores doentios

Essas dinâmicas familiares são quatro tipos de amores doentios que são nutridos geralmente dos mais velhos para os mais jovens num lar e demonstram como as pessoas adoecem dentro de suas próprias casas

Muitas vezes, temos pessoas que nascem sadias e aos poucos começam a apresentar sintomas de doenças emocionais ou até mesmo problemas mais graves com sua saúde mental.

Quando se pensa em violência doméstica, imediatamente remetemos a agressões físicas, mas o que ocorre na maioria dos casos são violências geradas pela negligência e pela falta de limites ao longo da educação da criança. 

Assim como algumas escolhas de papeis feitas por pessoas mais velhas destinadas aos mais jovens de ocupar o lugar do dejeto da família, daquele que veio ao mundo basicamente para sofrer.

No exemplo 3, o que vemos é uma flexibilidade excessiva que leva a desvio de conduta que se volta para quem deveria instruir a criança a ser uma boa pessoa. 

Colocar uma avó muito idosa para fazer o papel da mãe e também do pai demonstra que nem a mãe nem o pai estão funcionando no sistema da criança e, assim, ela nem mesmo sabe quem respeitar e o porquê de fazer isso. 

Infelizmente, a praticidade de fazer o errado com relação à criança, de não instruí-la sobre o que é adequado ser feito, faz com que esta menina possivelmente desenvolva comportamentos perversos ou até mesmo seja uma pessoa perversa.

É muito importante que haja o entendimento de que amar de forma saudável requer de nós mesmos nos questionar sobre a maneira como fomos ensinados a amar e a partir daí, buscar ou seguir o que foi ensinado ou encontrar uma maneira mais plausível para conviver em família.

Amar de forma saudável requer de nós mesmos nos questionar sobre a maneira como fomos ensinados a amar.

Sempre que me perguntam sobre o comportamento de crianças, eu observo como funciona a dinâmica familiar, porque, em muitos casos, a criança é apenas o sintoma da sua família, trazendo muitas questões relacionadas aos pais.

O mais importante é entender que a maioria dos nossos processos da vida adulta surgiram quando éramos crianças e adolescentes, ao conviver com nossa família. 

Então, por isso, o passado diz muito sobre o que a pessoa é, sobre o que é no presente. E se a pessoa não buscar ajuda profissional, vai acabar repetindo, sem se dar conta, toda a sua trajetória de vida com novas pessoas.

Amores doentios geram pessoas doentes emocionalmente, que sofrem de vários tipos de angústia e nem mesmo conseguem amar a si mesmas, porque não se perceberam amadas pelas pessoas mais importantes de sua vida na infância e na adolescência.

Se você passou por uma situação semelhante, acredite que em análise você pode sair desse padrão familiar que faz tão mal e que você é capaz de escrever sua própria maneira de viver sua vida.

Bruna Rafaele

Bruna Rafaele

Psicanalista, especialista em Saúde Mental. Faz atendimentos presenciais no Rio de Janeiro e consultas online no Personare.

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