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Resgate e cuide de sua criança interior

Fazer as pazes com o passado deixa a vida alegre e menos angustiante

Atualizado em

Todos nós carregamos em nosso íntimo a criança que fomos. Esse pequeno que vive dentro de nós participa de muitas decisões e ações da nossa vida. O problema é que muitas vezes essa criança carrega uma ferida não cicatrizada. Por isso, algumas ações influenciadas pela criança interior podem significar reações à dor que um machucado ainda causa.

Por exemplo, uma criança pode passar por muitos abusos, e quando falamos disso geralmente pensamos logo em abusos sexuais. Porém, estes são somente a ponta do iceberg. Os abusos podem ser físicos, como surras e castigos corporais, ou morais, como frases repetidas que vão ferindo e moldando a criança, do tipo: “você não aprende nada”, “você não presta”, “você é mentiroso”, “você é preguiçoso”, e tantas outras que provavelmente todos já ouvimos. Nem sempre essas frases vão ferir de forma permanente o pequeno, mas, dependendo de quem as diz, uma única vez pode ser o suficiente para abrir um buraco no narcisismo dessa pessoa que está ainda se formando.

Lembro que no jardim de infância alguns colegas faziam rimas do meu nome com o nome e o símbolo de um supermercado que não existe mais: “Marcelo Guerra, baleia do Mar e Terra”. A imagem que eu tinha de mim era de alguém gordo. Hoje olho para as fotos e vejo que eu era magro naquela época, mas tinha certeza de que eu era gordo.

Palavras podem construir ou destruir

A pessoa cresce e sua criança interior vai junto com ela, influenciando a visão que tem de si mesma e do mundo, assim como seus atos. Assim, alguém que quando criança, foi repetidamente chamado de preguiçoso, pode tornar-se um workaholic, numa clara forma de compensação. É como se a criança estivesse gritando “eu não sou preguiçoso. De fato eu trabalho demais, até mais do que quem me considera preguiçoso!”. Só que ninguém vai ouvir esse clamor e ela não sairá dessa roda-viva, sempre trabalhando mais e mais.

A criança é dependente por natureza. E não ter com quem contar para suprir suas necessidades (friso essa palavra, para não confundir com caprichos, como muitos adultos interpretam as necessidades das crianças) também leva a feridas emocionais profundas e difíceis de cicatrizar. As necessidades de carinho, proteção e alimento são as mais básicas, mas há outras mais sutis, como a necessidade de fantasiar, brincar, estar com outras crianças, aprender e ter limites definidos que não sejam muito rígidos.

Todos passamos por dificuldades maiores ou menores nas nossas vidas, como problemas financeiros, de relacionamento ou de saúde. O modo como essas dificuldades são transmitidas às crianças determina como ela vai digerir a situação. Afinal, todos nós, adultos e crianças, interpretamos aquilo que percebemos. Uma separação dos pais, por exemplo, pode ser vivenciada pela criança de diferentes maneiras, dependendo de como a notícia é passada. A criança pode ser exposta à realidade nua e crua da situação, e ainda não ter condições psíquicas para entender plenamente o alcance dos fatos, o que poderia levá-la a uma interpretação muito distorcida dos fatos, até mesmo sentindo-se culpada por eles. Ou pode ser enganada com histórias fantasiosas que mais expõem a insegurança do adulto do que a necessidade de proteção da criança.

A melhor abordagem para contar algo difícil a uma criança é a verdade, mas com exemplos baseados em um contexto que ela possa entender.

A melhor abordagem para contar algo difícil a uma criança é a verdade, mas com exemplos baseados em um contexto que ela possa entender.

E, sempre que possível, assegurá-la que a sua proteção será mantida por um adulto que a ama.

É preciso lembrar que a criança está em formação, não só física, mas também psíquica e emocional. A forma como ela vivencia o mundo influenciará na sua vida adulta. É a criança interior que sempre estará presente na visão de mundo de cada adulto, nas suas tomadas de decisão. É preciso que essa criança interior seja resgatada e cuidada, para que o adulto não precise ter reações próprias de uma criança ferida, como pirraças, lamúrias e provocações fúteis.

Uma criança interior bem cuidada permite que cada adulto tome decisões em sua vida com a dose certa de razão e emoção que, quando bem temperadas, formam o caminho para uma vida mais alegre e menos angustiante.

Marcelo Guerra

Marcelo Guerra

Médico graduado pela UFRJ. Começou a carreira como Psicanalista e depois enveredou pela Homeopatia e Acupuntura. Ministra oficinas e palestras em todo o Brasil e atende em consultório no RJ.

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