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Bhagavad Gita e os valores espirituais

Célebre texto hindu nos ajuda a ver além da realidade material

Atualizado em

Na Bhagavad Gita, o mais célebre texto sobre autoconhecimento (Yoga) da tradição milenar indiana, fala-se sobre vinte valores essenciais a quem pretende evoluir no plano espiritual, por quem se identifica com estar de bem com a vida, com o mundo e os com os outros.

Para se ter uma noção da importância deste texto na cultura indiana, lembramos que Gandhi se referia à Gita como “a sua mãe”. O jovem Gandhi, que perdeu a sua mãe verdadeira enquanto criança, buscava consolo e sabedoria nas palavras dessa grande obra, tendo-a traduzido e comentado (do original em Sânscrito para, a sua língua natal, o Gujarati) numa série de palestras em 1926, que seriam publicadas, apenas quase 30 anos depois.

No capítulo XIII, Krishna, que durante o desenrolar do texto assume o papel de mestre, fala a Arjuna, seu discípulo, quais os valores fundamentais, ou qualificações da mente, a seguir para a obtenção do autoconhecimento. Ou seja, qual a rota que o buscador deve seguir – e manter – para a compreensão de si mesmo como não separado do todo, como consciência além do corpo e da mente, ilimitado e pleno.

Respostas repletas de conhecimento

Desta forma, através de um processo de amadurecimento interno, o buscador é levado a ver além das informações captadas pelos cinco sentidos, das experiências mundanas e da realidade do mundo material. Quem procura descobrir o que está por detrás do véu da ignorância e responder às questões básicas – como “quem sou eu, quem criou esse mundo, qual o meu papel na sociedade e como me relaciono com os outros?” – tem, na Bhagavad Gita, respostas incríveis e surpreendentes, repletas de conhecimento, capazes de anular a sensação de insuficiência ou de separação e isolamento completo que, por vezes, invadem os nossos corações.

Cada um desses valores, por si só, é capaz de desabrochar uma transformação imensa naquele que o segue. Como uma flor de lótus que, nascendo na lama, desabrocha à superfície da água e se dirige ao Sol, assim é a realização do ser humano que, após ter vivido por algum tempo aquém das suas infinitas possibilidades, num turbilhão de anseios, desejos e frustrações, desponta para uma nova era no caminho da luz – a sua própria Luz – em essência, igual àquilo que sustenta todo esse universo, todas as coisas e seres. O conhecimento da Bhagavad Gita está de acordo com a visão das antigas escrituras da Índia, as Upanishads, que falam da pessoa humana como o Ser, aquilo que buscamos, a imensidão total, a liberdade completa, regozijo último e supremo, criador do céu e da terra, mantenedor da vida e aquilo que, a determinado momento, dissolve a manifestação para um estado de imanifesto. Perceba que este Ser não se refere ao corpo, à carne, nem à mente e suas capacidades finitas de memória e pensamento. Por isso, não falamos a partir do ego, da personalidade. Mas, de um Ser imaterial, que em momentos de meditação ou contemplação, podemos sentir vivo e desperto.

Esses valores, modelos de agir e do pensar, poderão ser seguidos como uma espécie de voto ou promessa, chamado vrata pela tradição indiana, e têm a intenção de levar o indivíduo a “ver por detrás do pano”, identificar-se com o todo, que não tem início nem fim, não é um efeito nem uma causa e tudo permeia – o Ser, além do nome e das formas.

Se chegou até aqui na leitura desse artigo, com certeza deverá querer saber quais os valores a que me refiro. Sem mais delongas, aqui vão:

  1. Ausência de orgulho, ausência de pretensão, não-violência, acomodação, retidão, dedicação ao mestre, pureza, persistência, autocontrole (BG 13.8).
  2. Desapego dos objetos dos sentidos, ausência de egoísmo e perceção da dor como sofrimento inerente ao nascimento, à morte, à velhice e à doença (BG 13.9).
  3. Não-dependência, ausência de apego ao filho, mulher, lar, etc., manutenção constante do equilíbrio mental, seja alcançando o desejado ou o não desejado (BG 13.10).
  4. Devoção firme [ao Ser] sabendo que não há outro [além do Ser], frequência de um lugar sossegado, ausência da necessidade de companhia de pessoas (BG 13.11), busca constante do conhecimento (do Ser) e apreciação do sentido do conhecimento da verdade (BG 13.12).

Esses valores, normalmente, são explicados em detalhe por sábios ou mestres que têm um conhecimento profundo das escrituras e que delas são o exemplo vivo. Não se pretende criar confusão ou dificuldade na obtenção dessa sabedoria, pelo contrário, o objetivo é trazer clareza sobre um assunto que nos é muito chegado, o mais chegado de todos, o entendimento de mim mesmo. Daí que a tradição preconiza a transmissão dessa visão através do acompanhamento sistemático e direto do buscador pelo mestre, por um período de tempo.

Neste momento, verifique se é útil para si informar-se melhor sobre esses valores, ou, por exemplo, escolha um deles e procure manter-se fiel a ele. No entanto, note se isso faz de si uma pessoa mais disponível para os outros, com maior abertura, mais compreensiva e amorosa – sinais de evolução, transformação interior.

Esses valores, bem como o autoconhecimento, não são exclusivos para indianos, nem para um determinado grupo em particular, nalgum período histórico. São dirigidos a toda a humanidade, e são também para si. Use-os com sabedoria. Valorize-se!

Para continuar refletindo sobre o tema

Livro Bhagavad Gita (ed. Martin Claret).

Gustavo Cunha

Gustavo Cunha

Ensina Yoga e estuda Sânscrito e Vedanta. Dirige um centro de Yoga em Portugal e leciona no Centro de Yoga Vaidika (Maia) e no Solverde (Granja). Ministra palestras regularmente e faz traduções de textos milenares e manuais de Yoga para Português.

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