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Como lidar com o luto nas festas de fim de ano?

O luto, à revelia da nossa vontade, abre espaço em nossa vida. O que queremos construir nesse espaço? As festas de fim de ano favorecem esta reflexão.

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No segundo semestre de 2021, o avanço da vacinação trouxe finalmente a sensação de controle da pandemia, com a redução no número de casos de Covid-19 e de mortes. Essa boa notícia faz pensar em festividades de final de ano: reunir a família no Natal e celebrar a vida. Mas como lidar com o luto nas festas de fim de ano?

Muitas famílias que estão de luto  vivem esse momento com ambiguidade, e se veem cheias de perguntas.  Como se alegrar com a reunião da família, quando se sente tão claramente a falta dos que se foram?

Luto na pandemia: a dor da despedida sem homenagens

Como agravante, temos o fato de que muitas famílias não puderam prestar suas homenagens aos que se foram. A proibição de aglomerações impediu a realização de velórios e outros processos de despedida.

Esses rituais são importantes, pois nos ajudam a introjetar a perda e reforçar laços com pessoas que estão passando pela mesma dor.

Para quem não pôde velar seus mortos, o luto nas festas passa a ser um processo ainda mais pesado. Sobre este assunto,  o texto sobre o luto na pandemia , também de minha autoria, traz mais informações.

Um primeiro Natal pós-falecimento é um momento complicado em qualquer família enlutada. Ao experimentar um natal “diferente”, o luto nas festas nos obriga a repensar os significados daquela perda em nossa vida. Em 2021, esse Natal pode ser ainda mais diferente. Para algumas dessas famílias, a data servirá como um “velório substituto”. Será o primeiro momento quando podem estar todos juntos, e falar sobre aqueles que se foram.

Nesse sentido, este primeiro Natal passa a ter um sabor agridoce: uma mistura de celebração com lamento, um momento para  se sentir reunido a quem se ama ao mesmo tempo em que se sente falta de quem se foi.

Qual a melhor maneira de atravessar o luto nas festas?

Os conhecimentos da psicologia sobre luto e sobre como lidar com sentimentos difíceis (como a dor e o sofrimento), nos ajudam a atravessar as ambiguidades dessa fase. Baseado neles, sugiro algumas considerações:

  1. Se possível, mantenha a comemoração. Algumas famílias sofreram perdas, outras enfrentaram problemas financeiros, então talvez nem todos consigam manter uma comemoração parecida com o que faziam anteriormente. Mas se essa possibilidade existir, não abra mão dela. Por mais que a tristeza nos cause um impulso de isolamento, a função desse impulso é nos ajudar a entender o fato que causou a tristeza. No caso dos processos de luto, esse processamento é feito melhor na companhia de quem está passando pela mesma coisa.  Saiba porque é importante falar sobre luto e honrar aqueles que partiram.

  2. Se permita notar a perda, falar dela, falar dos sentimentos que ela produz. Falar disso com pessoas que compartilham desse sentimento é um bálsamo: ao mesmo tempo em que alivia o sofrimento, nos ajuda a reforçar as relações. Um dos ingredientes da intimidade é o sofrer compartilhado.

  3. Abra espaço para essas conversas, essas memórias e esses compartilhamentos nas suas festividades. Porta-retratos com imagens da pessoa que faleceu, ou outros elementos que remetem à pessoa, além de criar oportunidades para compartilhar memórias e sentimentos, também funcionam como uma forma de fazer aquela pessoa estar “presente” de alguma forma.  Uma alternativa para economizar na decoração é usar elementos da natureza.

  1. Ao mesmo tempo, crie estratégias para que cada um possa respeitar seu próprio ritmo. Espaços de “escape”, como um quarto mais distante do local da comemoração, uma varanda mais silenciosa, algum refúgio no quintal, onde as pessoas possam estar caso desejem ficar sozinhas por alguns momentos.

  1. A dor é uma grande professora. Nesse caso, ela nos ensina sobre nossos valores, sobre o que é importante, e sobre o que sentimos falta.  Utilize esses ensinamentos para pensar sobre o que você quer construir, reconstruir ou criar. Quais tradições ou práticas familiares se tornaram ainda mais importantes para você a partir de agora? Por outro lado, quais perderam o sentido? Quais gestos ou atitudes nunca estiveram presentes nesses momentos, mas agora se mostram necessários?

Uma última observação: a dor do luto precisa ser compartilhada, pois ela se cura melhor assim. Neste texto, sugerimos que as festas de fim de ano podem ser um espaço para isso. Mas em alguns contextos familiares, isso pode ser difícil. Nesses casos, é importante procurar outros canais de expressão desses sentimentos.

Conversas com amigos, um grupo de apoio a enlutados, ou mesmo a psicoterapia, podem ser de grande ajuda. Uma outra alternativa é a expressão artística. Você pode experimentar a escrita criativa.  O importante é encontrar um caminho para expressar a sua dor.

Tatiana Perecin

Tatiana Perecin

Psicóloga pela UFSCar, especialista em Psicologia Clínica / Análise do Comportamento. Trabalha com terapias contextuais, que são referência na intervenção psicológica baseada em evidências científicas de eficácia. Tem mais de 10 anos de atuação em consultório, atendendo adultos em casais em sofrimento emocional, e também casos severos.

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