Por que o amor incomoda algumas pessoas?
Falta de autoestima e padrões familiares podem limitar o sentimento
Por Personare
Muitas pessoas encontram com facilidade motivos para se incomodarem no dia a dia. De visões políticas conflitantes a maneiras diferentes de lidar com o trabalho, qualquer assunto pode virar motivo para o incômodo e o amor não está livre disso. Mas como um sentimento tão bonito e essencial como este pode acabar trazendo tantos problemas?
Para a psicoterapeuta Celia Lima, isso acontece porque algumas pessoas entendem o amor de forma monocromática e imaginam que a sua forma de amar, ou o que elas entendem como amor, é o sentido verdadeiro – e que todas as outras maneiras seriam “falsas”. Um bom exemplo são as manifestações públicas de afeto: enquanto alguns as veem como necessárias para consolidar um sentimento, outros encaram os carinhos como inapropriados para serem expostos em público.
“Não existe uma única forma de expressar o amor e cada pessoa, em função de seu histórico de vida e de seus sistemas de crença, percebe e manifesta o sentimento de formas diferentes. Alguns acham que é necessário ganhar um presente caro, ou dispender todo o tempo com a pessoa para que o sentimento possa ser reconhecido como amor”, avalia Celia.
Aversão ao sentimento pode ser sinal de baixa autoestima
Quando uma pessoa não está bem consigo mesma, alguns sentimentos vindos da baixa autoestima podem atrapalhar a forma como ela encara o mundo. A terapeuta acquântica Ceci Akamatsu acredita que geralmente o desconforto com aquilo que é diferente reflete insegurança, além do medo de viver plenamente e de ser feliz.
“É claro que podemos não gostar, aceitar ou concordar com alguma coisa, mas se isso causa sentimentos negativos muito intensos, é um grande indicador de que precisamos olhar com mais atenção para dentro de nós. Muitas vezes as pessoas se ressentem daquilo que precisam reprimir ou renunciar em prol do que é “certo”. E quando outros “quebram as regras”, isso pode incomodar. Afinal, inconscientemente, eles mostram que faltou coragem para os ressentidos seguirem da forma que realmente querem”, opina Ceci.
Porém, como essa reflexão não fica clara para a maioria e a tendência de muitos é enxergar e aceitar que a causa do mal estar é culpa do outro, o “diferente” é logo transformado em algo negativo. O amor, neste caso, acaba sendo visto de forma desconfiada por pessoas que não se julgam merecedoras de carinho e não conseguem encontrar motivos em si mesmas para que sejam amadas. A psicoterapeuta Celia Lima acredita que é importante iniciar um trabalho de investigação, a fim de encontrar os motivos pelos quais essas pessoas não se permitem experimentar a sensação de amar.
Preconceito pode vir de herança familiar
Outro fator que impede que o amor seja visto como um sentimento saudável são as diferentes culturas e histórias de vida. Ainda na opinião de Ceci, uma pessoa absorve sentimentos, emoções e pensamentos desde o momento em que é concebida. E os responsáveis por criá-la são os primeiros referenciais de pensamentos, crenças e atitudes – que permanecem com a pessoa durante o crescimento. Todas as experiências e o convívio fora de casa também contribuem para formar pensamentos e modelos que acompanham uma pessoa durante a vida.
“Essas regrinhas e crenças podem ficar tão fortes e sedimentadas que nem ao menos as questionamos e acabamos nos tornando prisioneiros das definições que determinam o certo ou o errado para nós. Nossa felicidade é, em grande parte, limitada por estes tipos de crenças, que ao invés de nos assegurar a segurança e a felicidade – como tendemos a acreditar quando buscamos o “certo” – apenas nos mantêm afastados dela”, explica Ceci.
Ainda existe a possibilidade do preconceito tomar a frente e não permitir que algumas demonstrações de amor sejam aceitas. Alvos frequentes desta maneira de pensar são os casais homossexuais, relacionamentos com grande diferença de idade e entre classes sociais diferentes.
Além do trabalho de um psicólogo, as terapias holísticas também oferecem ferramentas e caminhos úteis para lidar com pensamentos, sentimentos e emoções desagradáveis que estão neste processo. Para Ceci, elas ajudam na desconstrução de crenças e modelos emocionais e mentais cristalizados que não correspondem à verdadeira vontade pessoal, além de auxiliarem na construção de novas estruturas internas que levam à real identidade da pessoa. Com isso, a especialista acredita que é possível encontrar o caminho para a felicidade plena.
Questionamento crítico pode amenizar diferenças
Para o filósofo e autor do livro “Os seis caminhos do amor”, Alexey Dodsworth, angústia acumulada pode ser a razão do olhar diferente em relação ao amor. Segundo ele, toda sociedade e cultura têm aquilo que chamamos de “norma social”. Esta norma é construída com o tempo e é bem capaz de mudar, mas não de forma veloz. Deste modo, é possível afirmar que todos os incômodos que as pessoas têm são aprendidos.
“Se vemos um casal homossexual se beijando, só nos incomodamos porque em algum momento da vida aprendemos este incômodo. O mesmo vale para o poliamor. Se hoje em dia as pessoas estranham menos as relações homossexuais, o poliamor ainda arrepia os cabelos de muita gente. Tais incômodos não fazem sentido, pois envolvem escolhas feitas entre pessoas adultas e capazes. É diferente do incômodo que sentimos quando nos deparamos com abusos sexuais (seja porque a outra parte não consentiu, seja porque envolve pessoas sem idade para consentir). O incômodo que sentimos diante da violência sexual, por exemplo, deriva de nossa empatia, de nossa capacidade inata de reconhecer o sofrimento. Mas o incômodo que sentimos diante das diferentes formas de amar não passa de angústia aprendida, sem questionamento crítico”, conclui Alexey.
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