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Cirurgia plástica e autoestima

Redefinindo os limites de interação de si mesmo com o mundo

Atualizado em

Muito se fala sobre o excesso de procura por cirurgias plásticas nos últimos anos. Aparentemente, tornou-se banal mudar o formato do nariz, o tamanho dos seios, a silhueta e, em menos de um mês, apresentar uma nova versão de si para o mundo.

O que se fala menos, no entanto, é que, de banal, uma cirurgia plástica não tem nada. Toda mudança na imagem corporal é antes de tudo uma transformação psicológica poderosa. A primeira mudança significativa parece ser um “ajuste” da imagem ideal que se tem sobre si mesmo à imagem real que mostramos aos outros. Esse ajuste vem com uma força de reparação, como se tivéssemos vivido até aquele momento com um corpo que não nos pertencesse ou não fizesse jus ao nosso verdadeiro eu.

Esse novo e verdadeiro eu, fruto do processo de reparação e de compensação pelos anos de sofrimento em silêncio anteriores à cirurgia, sente-se finalmente com sua carga total, com força e poder para fazer de sua biografia aquilo de que sempre se considerou merecedor. Enfim, é hora de viver, de sair da toca e se mostrar, deixando para trás um passado de vergonha, timidez, menos-valia, baixa autoestima e repressão de desejos. Aquela garota que não se sentia vista ou valorizada passa a ser a mulher da vez. O mecanismo é parecido com o de um “novo rico”, que se deslumbra com o poder e o status que sua nova condição promove.

Além da transformação física

E qual seria o poder adquirido após uma cirurgia plástica? Ora, o maior dos poderes: a descoberta da força imensa da confiança em si mesmo e do impacto que ela promove nas pessoas em volta. Isso, em princípio é algo extremamente positivo e que traz grandes mudanças sobre a relação da pessoa consigo mesma e com os outros. Mas como um mar adormecido que percebe repentinamente sua força e seu poder de sedução sobre os homens e pode sofrer ressacas de suas próprias instabilidades de marés, o “novo operado” também pode cair em marés conturbadas.

Em geral, é difícil fugir do deslumbramento e da sensação inicial de que agora o “novo operado” pode muito mais do que antes. Há uma grande tentação de ceder aos chamamentos da vaidade, de conquistar aquele homem que não lhe notava, de atrair olhares de admiração e flerte, de mostrar-se muito mais, mais e mais… Infelizmente, há muitas variáveis psicológicas que escapam ao nosso controle e que geralmente acompanham o processo de transformação de imagem, todas relacionadas à descoberta do poder, que traz á tona uma série de situações inconscientes.

Ou seja, não estamos falando de uma transformação física apenas, essa parece ser a mais sutil das mudanças. Falamos de transformação de personalidade, da atuação das pessoas no mundo. O perigo é negligenciar aspectos importantes da vida deixada para trás, esquecendo-se de uma palavrinha fundamental: humildade.

Da baixa autoestima à supervalorização da imagem

Como em todo processo da vida, o equilíbrio é o estado mais difícil de ser conquistado (já diria o budismo há séculos), por isso é comum, após uma cirurgia plástica, passarmos da baixa autoestima para a supervalorização de nossa imagem, antes de entendermos que o corpo é apenas uma ferramenta de nossa relação com o mundo, não representando diretamente quem somos em essência. Senão, o que pensar de alguém que tem uma mudança corporal “negativa”, como tornar-se tetraplégico de uma hora para outra? Só sobraria a depressão a esta pessoa? Certamente não.

As marcas pelas quais somos reconhecidos na trajetória de vida, beleza, simpatia, timidez, exuberância, inteligência, estranheza, deficiência, carisma, entre outras, são apenas um dos muitos elementos que compõem nosso ser. As mudanças corporais, como quaisquer mudanças, servem para tomarmos consciência desses pequenos elementos e de como é frágil e manipulável nossa atuação no mundo. O que somos está além do que representamos em determinados momentos, mas vai sendo modulado por essas representações e pelos olhares alheios, que reforçam ou ignoram variáveis ao longo dos tempos. Somos a combinação desse jogo de forças entre o que está dentro e fora de nós.

Somos a combinação desse jogo de forças entre o que está dentro e fora de nós.

Imbuídos dessa nova compreensão, aí sim podemos ir atrás da verdadeira mudança: a consciência do real valor de cada um, ricos e únicos, mas não mais ou menos especiais que os outros. No fundo, o que todos buscamos é o encontro do real com o ideal, do possível dentro de nós e do concretizável na prática, e para isso, cada um vai conhecendo seus limites, desafios e rendições.

Clarissa De Franco

Clarissa De Franco

Clarissa De Franco é psicóloga, com Doutorado em Ciência das religiões e Pós-Doutorado em Estudos de Gênero. Atua com Direitos Humanos, Gênero e Religião, além de ser terapeuta, taróloga, astróloga e analista de sonhos.

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