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Constelações familiares e a ‘Festa dos Mortos’ no México

Comemoração mexicana relembra os antepassados com alegria e amor

Atualizado em

Bert Hellinger, o criador das Constelações Familiares, possui uma frase instigante: “os mortos estão presentes de uma maneira especial”. Venho de uma família na qual falar sobre a morte trazia o peso da tristeza. Lembro das noites de Natal, quando o clima geralmente começava melancólico pela saudade dos parentes falecidos. A festa era farta em bebida e a partir de certo momento, se instalava uma alegria diferente, quase eufórica. Minha sensação era que se bebia para esquecer a dor causada pela perda dos ausentes.

O que diz a filosofia de Hellinger sobre isso? Que não devemos esquecer de nossos parentes mortos, ao contrário, precisamos lembrar que eles continuam pertencendo a nossa família. Para quem não conhece, vale explicar que nas Constelações Familiares o cliente traz um problema e o constelador escolhe pessoas do público para representarem os parentes envolvidos, por vezes um morto.

Tradicional ‘Festa de los Muertos’, no México. Foto: Rinaldo Almeida

Diferente de um psicodrama, o constelador não conduz a ação dos representantes que seguem seus movimentos internos, sem conhecer a história do cliente. Curiosamente, as pessoas que representam parentes mortos costumavam ficar alegres quando vistas e reconhecidas amorosamente pelo representante do cliente como parte da família.

Gratidão pelos antepassados

Tal percepção mudou minha maneira de interagir com os mortos. Passei a olhar sem medo para eles. Continuo não gostando de conversar com mortos, mas percebo que ganho uma força extraordinária quando olho para meus antepassados com gratidão pela vida que me foi dada. Evitando julgamentos, passo a ter com eles uma relação leve e alegre.

Foi essa relação alegre com a morte que me fez vir ao México conhecer sua tradicional “Festa de los Muertos”. Logo na chegada ao prédio residencial onde me hospedei havia na portaria um altar com flores, frutas e coca-cola em homenagem aos mortos. No dia seguinte acompanhei no meio da multidão um desfile de carros alegóricos e caminhões de som repletos de caveiras, viúvas negras e animais de outra dimensão.

Diferente do nosso carnaval, a “Fiesta” é um evento familiar e sem bebida alcoólica. Avós, pais, filhos e bebês se aglomeravam no trajeto do cortejo cinco horas antes do início e ali permaneceram debaixo de chuva e frio. Comiam, bebiam e se maquiavam de caveira a céu aberto.

A ‘Festa dos Mortos’ é uma celebração familiar, que reúne uma multidão nas ruas. Rinaldo Almeida

Se os mortos gostam de ser lembrados por seus familiares vivos, posso imaginar a alegria de um ancestral vendo sua tataraneta de três anos com o rosto pintado de caveira assistindo ao cortejo nos ombros do pai. Para quem não gosta de ser esquecido, deve ser ótimo ver sua foto no altar montado na sala de visitas, ou ouvir as músicas que cantava sendo tocada em sua homenagem.

A maneira especial dos mortos estarem presentes seria, ao olhar das Constelações Familiares, apoiando os vivos, mas zelando para que nenhum membro da família seja esquecido.  Sendo assim, a celebração mexicana aponta na mesma direção de Hellinger, de que mortos devem ser reverenciados, e que a alegria é o melhor combustível para que os vivos consigam realizar seus sonhos de um futuro melhor.

 

Rinaldo Almeida

Rinaldo Almeida

Rinaldo Almeida tem formação em Constelações Familiares pela Hellinger Schule no Brasil e na Alemanha e é autor do livro “Mediações Sistêmicas nas Escolas”. Tornou-se mediador do Ministério do Trabalho em 1995, com formação pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência da ONU, na Itália. Concluiu Pós-Graduação em Economia e Negociações na George Washington University, tendo visitado escolas norte-americanas com projetos de mediação para crianças a partir de nove anos. Participou de missões promovidas pelas Nações Unidas em países como Haiti, República Dominicana, Itália, Índia e Nepal.

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