Os impactos emocionais da crise hídrica
Escassez deste bem natural alerta para a nossa relação com dois de seus simbolismos: o feminino e as emoções
Por Luisa Restelli
A situação da água está crítica em cada vez mais lugares, preocupando a todos nós. É necessário trazer a atenção para este enorme problema, pois a água é essencial para tudo que contém vida neste planeta. Enquanto em muitas localidades as pessoas estão sofrendo por causa da falta de água, em outras a população enfrenta o excesso dela, como no caso de enchentes. É preciso, sim, de muita economia; investimento no controle de perdas, economia na indústria e no abastecimento, muitos programas de conscientização e investimento em meios alternativos para que possamos reverter este quadro. É preciso mudar muita coisa e já há um bom tempo! Mas, além disso, é importante olharmos para o que esta situação está querendo nos dizer.
O que será que as águas querem nos falar? Se o mundo externo é reflexo do mundo interno, que recado é esse que a natureza nos traz? O que precisamos mudar internamente para poder mudar essa realidade tão dura lá fora? É interessante lembrarmos que o nosso organismo é composto em 75% por água, sendo que alguns cientistas já afirmaram ser até bem mais que isso. Se grande parte de nosso corpo é formado por água, nada mais justo que pensarmos na maneira como estamos lidando com as águas dentro de nós e como isso se reflete fora.
Se grande parte de nosso corpo é formado por água, nada mais justo que pensarmos na maneira como estamos lidando com as águas dentro de nós e como isso se reflete fora.
Precisamos, então, buscar essas respostas em nós, para que as ações realizadas fora possam nascer dentro.
Lados masculino e feminino em desequilíbrio
As águas são representações do feminino. Só isso já nos dá uma dica boa para refletir. Como está nossa relação com o feminino? Como estamos vivendo nosso feminino e como o estamos tratando no dia a dia? A partir desses questionamentos, podemos compreender um pouco a mensagem das águas.
O feminino (como também o masculino) tem sido muito distorcido. Feminino é amor, acolhimento, aceitação, doação, criação e maternagem. A forma da distorção do feminino é, em última instância, a dificuldade em amar. Isso gera submissão, desrespeito consigo mesmo e com o outro (incluindo a natureza) e todos os aspectos opostos ao que o feminino representa. Masculino, por outro lado, é ação, objetividade, força para concretizar. O masculino distorcido se torna violência e agressividade. Temos vivido muito com a distorção desses dois aspectos – lembrando, ambos vivem dentro de todos nós. Todo homem e toda mulher tem feminino e masculino dentro de si. A busca pelo equilíbrio da vida, representado por Yin e Yang, visa justamente equilibrar o masculino e feminino dentro de nós.
Todo homem e toda mulher tem feminino e masculino dentro de si. A busca pelo equilíbrio da vida, representado por Yin e Yang, visa justamente equilibrar o masculino e feminino dentro de nós.
Mas voltando às águas, estamos falando do feminino. Se as águas representam esta energia, o que a escassez que vemos hoje quer nos dizer? Nossa relação e respeito ao feminino não parece estar muito saudável, não é mesmo? É só observarmos o quanto as mulheres têm sofrido abusos nos últimos tempos. Quando falo de “últimos tempos”, falo de muitos décadas e séculos. Desde que a sociedade deixou de ser matrifocal e tornou-se patriarcal, o poder da mulher foi retirado para que o homem assumisse um papel de domínio e maior importância na sociedade. Assim, de inúmeras maneiras, o feminino foi sendo distorcido e ameaçado.
Descaso com meio ambiente é retrato da nossa relação com o próximo e com nós mesmos
Não podemos só observar o abuso em relação às mulheres, mas também o abuso contra nós mesmos. Como estamos nos tratando? Com amor? Com acolhimento e respeito? Reflita um pouco neste momento. Como você tem lidado consigo mesmo? Tem olhado para si? Como tem sido esse olhar? Muitas vezes nos perdemos na correria do dia a dia, no meio de tantas tarefas a cumprir, e nos esquecemos de olhar para dentro.
Muitas vezes nos perdemos na correria do dia a dia, no meio de tantas tarefas a cumprir, e nos esquecemos de olhar para dentro.
Deixamos de olhar para nós mesmos, de simplesmente nos perguntar se está tudo bem, de nos respeitar quando estamos mal e de nos cuidar quando precisamos.
Esse mesmo cuidado deve ser tido com o outro, pois ele também é nosso reflexo. Ao se amar, respeitar e acolher, também se passa a respeitar e acolher o outro, da maneira como ele é. O amor e a compaixão vão tomando conta da sua vida à medida que tomam conta de si mesmo. E este cuidado não se mantém apenas nas relações diárias, mas em todos os aspectos da vida, incluindo o cuidado com o meio ambiente, que é o nosso lar, nossa casa e nossa própria vida. Cuidar do meio ambiente é cuidar de si mesmo, pois é da natureza que necessitamos para viver.
Falta de água faz refletir sobre como lidamos com nossas emoções
A água também representa nossas emoções mais profundas. A falta ou excesso fala do desequilíbrio na maneira como estamos lidando com nossos sentimentos e nossa vida.
A falta ou excesso fala do desequilíbrio na maneira como estamos lidando com nossos sentimentos e nossa vida.
No geral, é um reflexo da dificuldade em fazermos contato com nós mesmos e nossas questões mais profundas, podendo olhar e trabalhar de forma saudável. O autoconhecimento é a chave. É olhar para si mesmo e poder ver os aspectos ainda em negação e trabalhá-los com amor, respeito e acolhimento. Além disso, o trato com o outro se transforma quando transformamos o nosso modo de lidar com nós mesmos.
As águas representam esse amor, esse feminino que cuida e dá vida. O desequilíbrio nisso é preocupante. É preciso, além de uma atitude externa que envolva medidas sociais, políticas e econômicas necessárias, que percebamos a mensagem mais profunda que as águas nos transmitem.
É preciso, além de uma atitude externa que envolva medidas sociais, políticas e econômicas necessárias, que percebamos a mensagem mais profunda que as águas nos transmitem.
Então, pare agora e reflita um pouco. Como você está lidando com o feminino em você? Como é a sua relação com o feminino na vida? Como está lidando com suas emoções mais profundas? Como você se relaciona consigo mesmo e com o outro? Tem se baseado em que sentimentos e diretrizes? No processo de autoconhecimento, a dificuldade em lidar com o feminino é, em última análise, a dificuldade em lidar com a mãe. Então, pense nisso: como você está se relacionando com a figura materna (mãe terra, mãe biológica ou quaisquer outras representações maternais em sua vida)? O primeiro passo para ajudar a mudança externa no mundo é, inevitavelmente, uma mudança em si mesmo.
Para continuar refletindo sobre o tema
Psicóloga, Psicoterapeuta Corporal e Consteladora Familiar Sistêmica. Realiza atendimentos individuais e de casal no RJ e online e ministra grupos terapêuticos e palestras.
Saiba mais sobre mim- Contato: luisarestelli.psi@gmail.com
- Site: http://www.luisarestelli.com