Filosofar é sair do lugar-comum

Desde a primeira vez que li um artigo do filósofo francês André Comte-Sponville, me vi fascinado por sua capacidade de escrever sobre temas complexos se valendo de uma linguagem simples. Simples, é verdade, mas sem simplificar. Autor profícuo de diversos livros, Sponville tem em “Apresentação da Filosofia” um dos livros mais interessantes para qualquer pessoa que se interesse pelo exercício da reflexão e do pensamento.

Dividido em doze capítulos, “Apresentação da Filosofia” versa sobre moral, política, amor, morte, o conhecimento, a liberdade, Deus, o ateísmo, a arte, o tempo, o homem e a sabedoria. O que estes doze assuntos teriam em comum? Não é difícil entender. Cada um destes temas constitui uma preocupação milenar da história da Filosofia. Há mais de cinco mil anos, por exemplo, que o homem se questiona sobre a existência de Deus. Durante este mesmo período de tempo, provavelmente mais, nos preocupamos com a questão da morte, da liberdade, do amor… A questão filosófica é sempre uma pergunta que não permite respostas ingênuas, e nos conduz ao exercício do pensar. Pensar pra que? Ora, por amor ao saber, por amor ao próprio ato de pensar!

Sponville jamais esconde suas apostas e convicções, mas nunca as impõe ao leitor. Ler “Apresentação da Filosofia” é deixar-se conduzir por um professor experiente que realiza o que pretende: apresentar, introduzir o leitor ao mundo da Filosofia. Não à toa, o autor concede ao leitor uma lista de livros que permitirão, com o tempo, um mergulho mais intenso nos autores com os quais houver maior identificação.

Refinando o olhar

Mas não se engane. Estudar Filosofia é perder completamente a ingenuidade em relação ao mundo. É provável que você se torne um pouco chato, mas muito mais espirituoso. Quando ainda me encontrava em minha graduação, um dos meus professores insistia no fato de que estudar Filosofia é aprender a ler com atenção e a pensar com critério. É o exato oposto do atual modus operandi generalizado de leitura dinâmica. Ler um texto de Filosofia é perder completamente o encantamento com coisas que podem fascinar a maioria da humanidade, e ao mesmo tempo passar a se encantar com outras coisas que muita gente nem se tocou. É refinar o olhar.

Dou como exemplo uma das afirmações de Benedito Spinoza, um dos mais importantes filósofos modernos (século XVII, filosoficamente falando, é considerado “modernidade”). Ele diz que a humildade não é uma virtude, pois é o extremo oposto do espectro, em que a arrogância assume oposição. Do mesmo modo que a arrogância seria a vicissitude de quem se acha capaz de algo que não é, a humildade seria uma tendência de se diminuir, apesar da notória capacidade. Virtude verdadeira, para Spinoza, é saber o que se é, sem arrogâncias e sem humildades. Se sei que tenho um talento e isso é reconhecido pelas pessoas ao meu redor, dizer que não sou tudo isso que dizem não seria uma virtude, e sim um ato ridículo. O melhor, então, quando recebemos um elogio a respeito de uma de nossas qualidades, é dizer “obrigado”, e não “que nada, é bondade sua!”.

Filosofar é sair do lugar-comum. É questionar se as verdades que aceitamos são mesmo verdades.

Filosofar é sair do lugar-comum. É questionar se as verdades que aceitamos são mesmo verdades.

Filosofar é ser amigo da sabedoria, buscá-la sem necessariamente encontrá-la, mas é justamente quando a viagem vale mais do que a chegada. E “Apresentação da Filosofia” é um destes guias de viagem não apenas fácil de entender, como apaixonante em cada uma de suas páginas. Seja você leigo ou um estudioso da Filosofia, irá se encantar.