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Maternidade Real: Vivências, Desafios e Reflexões Sobre Ser Mãe

Este é um panorama da Maternidade Real que vai ajudar você a ponderar suas condições e possibilidades antes de abraçar esta jornada

Atualizado em

Virei mãe há um ano e meio. Desde, então, vivo intensidades que nem sequer imaginava possíveis. São vivências tão fortes que a experiência toda me transformou para sempre e que ajudam a entender o que é a Maternidade Real.

Ainda escreverei um texto sobre a minha bela experiência pessoal, mas hoje meu esforço é olhar para diferentes tonalidades emocionais e pragmáticas deste momento especial.

Afinal de contas, a maternidade real também nos confronta com transformações radicais que não são fáceis de prever nem nas nossas imaginações mais floridas. Mas podemos nos esforçar e a convido agora para esta tarefa.

A composição da imagem materna é, sim, rica em nuances de cores quentes, calorosas, amorosas, mas também pode nos surpreender com um azul que beira a melancolia e até mesmo um tom negro que fala das profundezas da nossa alma.

O cenário sombrio que as mulheres enfrentam na maternidade real

Para aprofundar a reflexão sobre a maternidade real, essa sem romantizações, vale dizer que, sim, muitas vezes ser mãe é “padecer no Paraíso”. Por um lado, não há novidades, ainda confirmamos vários clichés dignos dos conselhos de nossas avós.

Por outro lado, como psicóloga analítica de pacientes em sua maioria feminina e também como mestre na área dos estudos de mulheres e gênero, há muito a ser esmiuçado antes de fazer essa escolha pelos motivos corretos.

Desde cedo, as mulheres são pressionadas, enfrentando julgamentos e questionamentos constantes sobre quando terão filhos. Apesar de ponderar ser mães, têm dúvidas sobre conciliar com o trabalho.

E os olhares críticos são frequentes quando optam não tê-los ou mesmo quando não conseguem realizar em tempo hábil essa missão por não ter um parceiro ou parceira estável. Isso quando o critério não é o próprio casamento.

Em suma, ou as mulheres seguem as expectativas ou enfrentam críticas por escolhas diferentes da norma social. E é então que seus olhares esfriam e perdem o brilho pela falta de compreensão e sororidade.

A solidão de uma escolha de tal porte nos deixam, por vezes, inseguras sobre os nossos próprios valores ditos “femininos”.

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A “sagrada família” não é o único modelo saudável de relacionamento

Um dos primeiros pontos que já turvam a mente das mulheres quando pensam em ser mães é quem estará ao nosso lado nessa empreitada. E devo dizer que esse critério é muito relevante!

Mas não da maneira como costumamos pensar… Criar um filho ou filha dá trabalho, é oneroso e, por vezes, exaustivo. Porém, a ideia de que uma família só é saudável se tiver pai, mãe e filho é uma herança arcaica que deveríamos prescindir.

Os islandeses, herdeiros dos vikings, nem tomaram conhecimento dessa “regra” e por lá seguem no topo dos rankings de felicidade do mundo com os mais diversos formatos de família.

Sabemos que o importante é o amor e o cuidado sempre presentes na criação dos filhos, ou seja, independe do modelo familiar e tampouco se esses genitores permanecem ou não casados.

Lembre-se que manter um relacionamento apenas pela criança é perigoso, porque o ambiente familiar pode se tornar bem mais tóxico para a saúde mental de todos com uma convivência turbulenta.

A criança tem possibilidades de ficar bem caso a separação seja feita de forma cuidadosa. A família se estende para muito além dos pais biológicos.

Quando há afeto suficiente, todos vão juntar-se em torno dos pequenos e seus aniversários terão muito mais animação e estarão repletos de primos, tios, avós, pais e mães. Lembre-se: para criar uma criança precisamos de uma aldeia.

“Natureza feminina” é plural

Não há conduta materna perfeita, nem modelo ideal, da “boa mãe”. Inclusive, o amor entre mães e filhos depende, em grande parte, de componentes sociais que variam entre épocas e costumes. No passado, mulheres entregavam seus filhos ainda bebês às amas que os criavão e os desenvolviam até os cinco anos de idade.

Hoje, ainda bem, temos uma visão mais humanizada a respeito dos cuidados com a díade mãe-bebê e assim recebemos muito mais ferramentas para fazer esse vínculo acontecer de forma amorosa.

O parto normal humanizado, a hora dourada, o aleitamento materno exclusivo e em livre demanda, a cama compartilhada, a educação positiva, dentre outros, são bons começos.

No entanto, não são todas as mulheres que podem contar com tais recursos e redes de apoio esclarecidas. Muitas nem recebem apoio de sua rede para amamentar e perseverar na tarefa durante os dois primeiros anos do bebê (não é simples, não é instintivo), outras infelizmente nem rede de apoio têm.

E os desafios não param por aí. Na prática, as tarefas domésticas e maternas se acumulam, o cansaço vai esgotando a mulher, e os relacionamentos amorosos padecem com frequência.

O cenário vai ficando nebuloso e as emoções cada vez mais regressivas. Os amigos não conseguem compreender a ausência e as queixas da recém-mamãe, os familiares a criticam por suas escolhas. O trabalho remunerado não pode esperar. E assim, infelizmente, o amor materno padece enquanto a culpa materna aumenta.

Pintei um quadro bem escuro, é verdade. Porém, não posso ignorar uma das vivências que mais escuto em consultório quando o assunto é ser mãe.

No entanto, posso afirmar por experiência própria que esta pode ser a vivência mais profunda, generosa e positivamente transformadora em nossas vidas.

A fórmula da felicidade islandesa

A Islândia é o país que escolhi como panorama principal para oferecer exemplos de como fazer esse cenário que começou frio e escuro ir ganhando cores e formas de uma aurora boreal.

Com dados colhidos por institutos sérios e veiculados no “El País” consta que ali, em meio ao mais rigoroso inverno, encontramos as mais altas taxas de natalidade dos países desenvolvidos.

Em escala mundial, vemos as maiores taxas de mulheres inseridas igualitariamente no mercado de trabalho, bem como a maior taxa de divórcios de todo o mundo. Me surpreendo desconfiando de como tal mistura poderia dar certo. Penso logo como devem ser atribulados os seus dias, que caos… mas logo vejo que não é bem assim.

Esse “reino tão tão distante”, parafraseando um conto de fadas moderno, é considerado um dos países mais felizes e desenvolvidos do mundo, segundo dados da ONU.

Para ser mais precisa, até 2016 a Islândia ocupou por oito vezes consecutivas a posição de o melhor e mais igualitário país do mundo para mulheres e segue no top 3 até hoje. O islandês também já foi considerado como o povo mais feliz do planeta, conclusão de uma pesquisa acadêmica séria veiculada pelo londrino “The Guardian”.

Já adianto que há mais coisas boas na ilha do gelo quando o assunto é a maternidade real e que vale a pena ressaltá-las, já que este tema é prioridade absoluta por lá há muitos anos.

Como os islandeses fazem acontecer

Vamos refazer as contas junto com estes artigos dos jornais estrangeiros: o índice de natalidade mais elevado da Europa + a maior taxa de divórcios + a maior porcentagem de mulheres que trabalham fora de casa = o melhor país do mundo para viver.

Sim, esta equação está correta. Ainda que unamos estes três fatores – muitos filhos, lares desfeitos, mães que trabalham fora – o resultado pode ser uma receita para o sucesso.

Isso nos leva a questionar a validade de nossas próprias normas sociais sobre ser mãe. Não parece realmente uma aurora boreal? Como os islandeses conseguem fazer isso acontecer por lá? Trago alguns lampejos para iluminar nosso horizonte.

A equação que revelei acima nasce de uma sociedade que está culturalmente orientada a priorizar a educação de suas crianças, para torná-las saudáveis e felizes e, ao mesmo tempo, priorizam as mulheres e mães.

Afinal, há trabalho mais importante do que gerar e formar os cidadãos que irão conduzir os destinos de um país? Há, por tanto, um esforço coletivo para que os filhos possam crescer bem cuidados por quaisquer que sejam os pais e mães que venham a ter, com a família expandida e o respaldo total do estado islandês desde o pré-natal até a universidade.

Aí reside uma verdade essencial sobre a felicidade islandesa, o fato de que ela é majoritariamente um empreendimento coletivo.

Tudo isso numa sociedade praticamente sem estigmas, nem preconceitos de gênero, e sem os tabus herdados de tradições já comprovadamente ultrapassadas. Vamos tentar agora transformar essa composição em uma aquarela brasileira?

Maternidade real no Brasil: como fazer boas escolhas

Sem a pretenção de ser um “guia” que simplifique a decisão, alguns aspectos são importantes:

  • Evitar os pensamentos sombrios devidos às pressões sociais e expectativas irreais. Não decida nada partindo desse lugar;
  • Se não há condições materiais e nem rede de apoio, alcance essas condições da melhor maneira possível antes de engravidar. Fuja do clichê “cada criança que nasce vem com um pão debaixo do braço”;
  • Invista tempo em buscar o máximo de informações sobre gravidez, parto, puerpério, amamentação e educação infantil, assim você se sentirá mais segura para bancar suas decisões;
  • Confie no seu próprio valor. Ter filhos ou não nada tem a ver com a sua completude como mulher;

Tenha em mente que ignorar essas complexidades, tanto do ponto de vista afetivo quanto material, pode prejudicar a todos. Os mais penalizados são a mãe e os filhos, estes últimos a parte mais inocente em tais situações.

Diferentes maternidades reais

Não esqueça que é importante reconhecer a diversidade de vivências maternas para fazer boas escolhas para si mesma e ter uma visão mais inclusiva e menos julgadora de outras mulheres.

Assim é possível ganhar mais consciência sobre seu próprio desejo e se imaginar mãe. Nesta direção a maternidade real também pode ser uma experiência transformadora e amorosa.

Afinal, depois de acompanhar em consultório histórias belíssimas e algumas vezes dramáticas, entendi que quando se está fora da esfera do desejo, do tempo e das condições materiais para tal, a maternidade pode se tornar um fardo.

Faça a escolha pelos motivos corretos, no tempo que convir e viva a experiência de ser mãe em toda a sua plenitude.

O objetivo dessa reflexão não é responder todas essas exigências, nem contradizer nenhuma delas em definitivo. Mas que bom seria se conseguíssemos flexibilizar um pouco tais “normas”, tirando o peso que é encarar a maternidade real como um roteiro pré-fixado e pré-conceituado, inclusive financeiramente.

Quer ver um exemplo? Na Islândia, as mulheres têm filhos desde muito novas e o país tem a maior taxa de natalidade, de mulheres que trabalham fora de casa e de divórcios da Europa. E elas seguem tendo filhos com outros parceiros.

De acordo com o jornal El País e uma pesquisa sobre felicidade, publicada no jornal “The Guardian”, a Islândia é um dos países mais desenvolvidos do mundo e com a taxa de felicidade mais alta da Terra. Sabendo disso, as nossas normas sobre quando e como ser mãe não parecem mais assim tão certeiras.

O lado negado da maternidade real

Ser mãe não é um estado homogêneo, natural, nem imanente a todas as mulheres. Ninguém é obrigado a assumir o papel de pai ou mãe quando não sente vontade de fazê-lo. Assim como não existe uma receita de boa mãe quando o quesito é gerar ou criar um filho.

O importante é estar consciente das suas capacidades e limitações e ser honesta consigo mesma antes de tomar qualquer atitude. Cientes da decisão de ser mãe como desejo e possibilidade, e não como fruto de pressões sociais, seguimos.

Maternidade não é só coisa boa, ainda que em um primeiro momento não pareça assim, já que o conceito está associado a algo até mesmo santificado.

Maternidade não é só coisa boa, ainda que em um primeiro momento não pareça assim, já que o conceito está associado a algo até mesmo santificado.

As relações superficiais que estabelecemos facilitam que o tema seja visto dessa maneira parcial. As pessoas lembram que a maternidade tem um lado positivo sim, mas seu lado negativo costuma ser negado.

Assim, a obrigação vai além e torna-se quase moral: não apenas tem que ser mãe, mas tem que ser uma boa mãe – seguindo requisitos sobre-humanos e de certa forma arbitrários.

Chegou-se a um ponto onde os pais têm dificuldade até em dizer uma simples palavra: não. O medo da ideia de ser uma “mãe ruim” é grande e a culpa fica sempre presente.

Contos de fada e o ideal de perfeição materna

Mas os contos de fada, como sempre, já nos falavam disso: o perfil da madrasta, por exemplo, é frequentemente associado a comportamentos malvados. No entanto, é bom lembrar que a maternidade inclui a parcela madrasta, mesmo quando estamos lidando com nossos próprios filhos.

O difícil é reconhecer esse sentimento em si mesma. A rejeição a um filho ou filha em determinado momento, características ou momento de sua própria vida gera confrontos com nossas dificuldades, mas também levam a um grande aprendizado.

Reconhecer e integrar bem esse aspecto é expansivo para a personalidade, já que quando negamos a sua existência acabamos boicotando o crescimento do filho sem querer.

Existe ainda o fato de que a tríade “pai + mãe + filho” é para nós uma premissa de família saudável. No entanto, os arranjos familiares pouco importam, enquanto o amor e o cuidado estiverem presentes na educação e no crescimento dos filhos.

Juntos pelas crianças?

Voltamos ainda com o exemplo da Islândia, lugar no qual o incentivo para “ficar juntos pelas crianças” não existe. Os islandeses entendem que as crianças ficarão lindamente bem porque toda a família irá juntar-se em torno deles. Assim, seus aniversários terão muitos primos, tios, avós, pais e mães.

Sem levar ao pé da letra, vale lembrar que se não fosse a Madrasta da Branca de Neve, por exemplo, a princesa teria ficado infantil e imatura para sempre no castelo do pai.

Assim, o que a priori poderia ser visto como negativo torna-se um motivo de crescimento e desenvolvimento para os filhos.

Cumprir o “roteiro mãe” sem fazer essas reflexões, pode acabar prejudicando muito a atmosfera afetiva que rodeia uma mulher.

Ao tomar consciência de todas essas questões, a pessoa que está levantando possibilidades de vir a ser mãe ou até sofrendo com o tema e as exigências, pode resolver essas pendências consigo mesma e tomar suas decisões de maneira mais completa.

Marianna Protázio

Marianna Protázio

Psicóloga, Psicoterapeuta Junguiana, Mestre e Doutora nas áreas de Ciências da Literatura e Estudos de Mulheres, Gênero e Cultura. Atuação clínica voltada aos desafios contemporâneos do feminino, por um olhar que busca, nas imagens e símbolos, autenticidade e criatividade. Fundadora do site Psique Criativa, que aborda temas como relacionamento, sexualidade, vocação, sonhos e autoconhecimento.

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