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Sofrer com a dor do outro é excesso de empatia?

Entenda como separar o que é seu do que é do outro praticando a compaixão

Atualizado em

Você já ficou apavorado por saber que alguém estava muito doente? Já sofreu junto de um amigo porque alguém muito querido dele havia falecido? Já ficou paralisado ao perceber quanta dor e sofrimento existe ao nosso redor? É comum para você sofrer com a dor do outro?

O sofrimento permeia a vida humana. Uns são mais fáceis de lidar, outras são resultados de injustiças extremas, o que faz com que tenhamos muita dificuldade de compreendê-los. A empatia é um dom em falta no mundo. Inclusive, ela pode ser um belíssimo antídoto para o sofrimento. Quer coisa melhor do que ter alguém alguém empático ao seu lado quando se está passando por algo difícil?

Por outro lado, ao mesmo tempo, às vezes essa habilidade de ter empatia nos conduz a um estado de aflição empática, ou ao burnout empático, que é quando eu sofro junto com outro ou até mais do que ele diante do sofrimento dele. De alguma forma as pessoas consideram isso nobre: “gosto tanto de você que estou até sofrendo junto”. Mas será que isso é de fato saudável?

Sofrer a dor do outro: o que pode estar por trás

A aflição empática é um armadilha pois ela não se manifesta porque você está se colocando no lugar do outro, ou necessariamente se preocupando por ele, ela surge a partir de uma ansiedade pessoal sua, que é estimulada pelo outro. Sendo assim, ela pode fazer com que a gente queira controlar a vida do outro, “se você sofrer, eu sofro, então é melhor você não se arriscar muito”. Você basicamente não quer que o outro sofra porque você quer se poupar de um sofrimento. No final, seu interesse pelo outro não surge por um amor por ele, mas por uma preocupação sua com você mesmo.

Se analisarmos bem a aflição empática vamos perceber que sofremos é de autocentramento. O monge budista Matthieu Ricard diz que “quando nos preocupamos principalmente conosco tornamo-nos vulneráveis a tudo aquilo que pode nos afetar. Prisioneira desse estado de espírito, a contemplação egocêntrica da dor dos outros mina nossa coragem; ela é sentida como um fardo que só aumenta nossa aflição. No caso da compaixão, ao contrário, a contemplação altruísta do sofrimento dos outros multiplica nosso valor, nossa disponibilidade e nossa determinação de remediar esses tormentos”.

Nesses momentos de extrema aflição precisamos entender a importância se de praticar a compaixão junto da prática da empatia.

Como ter mais compaixão?

Primeiro passo: entender que a dor do outro é do outro

Não é para pensar isso e já cair no extremo oposto de que não devemos nos importar com o outro já que a dor dele não é nossa. Cuidado com essa mente binária!

Na compaixão o foco é totalmente no outro, não em você. Por isso, quando outra pessoa está mal, melhor você estar bem e inteira para conseguir ajudar. Não há nada de errado em fazer essa separação, pois é ela que pode te manter no seu centro mesmo em meio a tanta aflição. Imagine uma mãe cuidando de do filho internado com uma doença grave no hospital. É melhor que essa mãe consiga se mostrar forte e amorosa para o filho ou deixar sucumbir sua dor e desespero em sua frente?

Segundo passo: desejar que o outro se livre do sofrimento

Mas aí começa uma grande confusão. Achamos que se livrar do sofrimento é: se eu estou doente, fico saudável. Se eu sou pobre, ganho dinheiro. Se eu sou carente, começo a namorar. Claro que é gostoso resolver aspectos mais sólidos da nossa vida, mas é tão fácil nos tornarmos refém dessas coisas e viver uma felicidade adiada “quando acontecer x serei feliz…”
Desejar que as pessoas fiquem ricas, casadas, lindas e saudáveis é pouco. Isso não é desejar que elas se livrem do sofrimento, pois elas não estarão se libertando da causa do sofrimento.

E a causa maior do sofrimento é o apego a ideia de que não deveríamos sofrer.Por isso, outro passo importantíssimo da compaixão é: lembrar que o sofrimento existe.

Sim, parece uma afirmação meio óbvia mas é ela que nos lembra que a verdadeira causa do sofrimento é o fato de não o aceitarmos. O sofrimento é parte da experiência humana, ele permeia ela toda. Ele alarga a alma como diz Viviane Mosé, e tem um processo dentro da gente.

Entender a natureza do sofrimento nos torna mais dispostos para a vida, não somente para o que é bom, mas pelo pacote completo.

Quando ganhamos intimidade com o sofrimento não nos surpreendemos tanto mais com ele. E de novo, fica o alerta: não confundir compaixão com indiferença. Entender a natureza do sofrimento nos torna mais dispostos para a vida, não somente para o que é bom, mas pelo pacote completo.

Sendo assim, eu desejo que você, pessoa de coração bom e que chega até sofrer junto com os outros quando eles sofrem, se liberte do sofrimento e suas causas. E que tenha muita sabedoria para lidar com os percalços da vida.

Carolina Nalon

Carolina Nalon

Mediadora de Conflitos. Especialista em Comunicação Não Violenta. Fundadora do Instituto Tiê.

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