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Nós testamos: Retiro de Vipassana

Meditação budista ajuda a silenciar a mente e praticar o desapego

Atualizado em

A Meditação Vipassana é uma técnica budista desenvolvida há 2.500 anos pelo próprio Gautama, o Buda, e que hoje em dia é largamente difundida pelo mundo por S.N. Goenka. A tradução que mais se aproxima do termo Vipassana seria: “ver as coisas como são” ou “ver a realidade como ela se apresenta”. Ele diz ainda que Vipassana é uma prática científica pela qual o indivíduo pode observar a mudança constante da natureza da mente e do corpo no nível mais profundo, levando a um grande entendimento e resultando em felicidade verdadeira e vida pacífica.

Se pararmos um pouco para pensar, é o que todos que buscam o autoconhecimento procuram: ver aquilo que realmente é. Aqueles que vão a algum terapeuta holístico, psicólogo, xamã ou psiquiatra estão a procura de entendimento e transformação de suas realidades internas. Todos os credos, em sua essência, são iguais. No fundo, estão indicando o caminho da verdade, da liberdade. Mas qual seria esta verdade libertadora que tanto buscamos, mas que insiste em nos escapar, e que como consequência acabamos por sentir todos os males físicos e psicológicos através de diferentes sintomas e aflições?

Esta “Verdade” é a experiência direta sobre o momento presente, e não apenas o entendimento de uma situação da vida em qualquer aspecto. É estar aqui e agora, vivendo a experiência e não reagindo a cada sensação do corpo ou da mente, seja boa ou ruim, amarga ou doce. Apenas desta maneira adquirimos visão adequada e desapego para nos libertarmos de condicionamentos mentais prejudiciais como a cobiça, a raiva e o medo.

A experiência de viver 10 dias em Meditação

Sendo assim, fiz minha inscrição em um curso de Vipassana, e por 10 dias vivi como um monge. E para que o processo desse realmente certo, havia algumas regras de conduta moral, chamada Shila, que precisávamos respeitar.

  1. Tanto homens quanto mulheres deveriam se limitar a usar roupas bem simples e soltas, sem dizeres ou cores extravagantes.
  2. Não eram permitidos celulares ou qualquer tipo de comunicação externa, inclusive entre nós. O Nobre Silêncio, como era chamado, garantia que não iríamos mentir.
  3. Também era proibido matar qualquer ser vivente, roubar, praticar qualquer atividade sexual e usar substâncias intoxicantes.
  4. Os que já tinham feito o curso pelo menos uma vez teriam também que se abster de comer depois do meio dia.

Mantendo estes preceitos básicos criava-se uma base segura para meditar.

O desafio de silenciar a mente

Durante os três primeiros dias de curso praticamos anapana, exercício que consiste apenas em observar o fluxo da respiração e perceber o ar tocando as narinas quando entra e sai. É incrível como o mais simples ato pode ser também o mais desafiador. A partir de então travei uma verdadeira batalha épica interna. Era óbvio que meu corpo sentia as dificuldades de permanecer sentado por quase nove horas diárias, mas nada se comparava à dificuldade de manter a observação constante na respiração por um ou dois minutos sequer.

 

Foi neste momento que percebi, na prática, o quanto minha mente era inquieta e arredia. Era como se estivesse tentando domar o mais selvagem dos cavalos ou montar o mais furioso dos touros. Recordo-me de ter concluído que havia lembrado de todas as experiências que tive na vida, sem esquecer de nenhuma. Entendi mais tarde que minha mente estava tentando manter seu padrão habitual de impulso, chamado samskara.

Os samskaras são impressões que desenvolvemos em relação às situações, pessoas ou coisas, e que derivam de nossas experiências passadas. Eles são o impulso que influenciam nossas reações, estados mentais e comportamento. Como se fossem entidades vivas, os samskaras são todo tipo de resposta em relação a algo externo através dos cinco sentidos e da mente. Na tradição budista é dito que muitos deles atravessam gerações, e estão sendo carregados por nós como um material genético.

A questão é que enquanto continuarmos a gerá-los ou até mesmo alimentá-los, perpetuaremos nosso ciclo de nascimento e morte (roda do samsara) no mundo. Estaremos eternamente presos nesta “roda” pelo tempo que for necessário até conseguirmos olhar através de nossas impressões. Esta é a verdadeira origem de todo o sofrimento, aceitemos isto ou não. E para que fique bem claro, não é uma questão de parar de fazer o que é preciso, como trabalhar para ter o próprio sustento e comprar o que for necessário, por exemplo. Tampouco permitir que as coisas “rolem soltas”. A ideia é simplesmente deixar de sofrer se algo não aconteceu como você esperava ou pensar que podemos controlar alguma coisa.

Encarando os medos de frente

No quarto dia de retiro, com a mente em um nível de percepção mais profundo, fui apresentado ao Vipassana, Meditação que consiste em tomar consciência de cada parte do corpo, separadamente, a procura de sensações. Porém, sem reagir a elas. Nos dias que se seguiram percebi que estava absorvendo um ensinamento que nenhum livro, aula ou mestre poderia me passar. Compreendi por experiência que nada neste mundo é permanente, e que não há porque ter medo de perder coisas tão inconsistentes e vazias como meu corpo, meus bens ou minhas faculdades mentais. Minhas reações e medos eram, no fundo, apenas impressões, e não uma realidade em si. Entendi também que o mundo que vejo é apenas a projeção da minha vida interior, nada mais. Foi realmente uma espécie de “cirurgia profunda”.

Por fim, minha experiência com este curso não poderia ter sido melhor. Afinal, não há nada mais realizador do que entender profundamente que as coisas não são boas ou ruins, mas apenas o que são. No fundo o que sentimos são impressões, e se observarmos bem perceberemos que tudo não passa de um sonho muito convincente. Porém, ainda um sonho, e que precisamos acordar.

Assim como qualquer processo evolutivo, nosso egocentrismo deve ser finalmente reconhecido como a principal fonte de todo e qualquer sofrimento pelo qual passamos ou passaremos. Ao invés de se ressentir consigo e com os outros pelos acontecimentos da vida ou até mesmo ter medo de perder tudo que já conquistou, não seria melhor ver as coisas como elas são? Para mim, essa foi a mais profunda lição que a Meditação me ofereceu.

Bruno Amado

Bruno Amado

Professor de Hatha Yoga, Kundalini Yoga e Meditação há 12 anos. É terapeuta em Renascimento e proprietário do site www.amadomat.com.br. E-mail: contato@amadomat.com.br

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