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A mulher e os ritos de passagem

Mudanças trazem impactos ao longo da trajetória feminina

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Ritos de passagem, como o próprio nome diz, marcam transições definitivas e definidoras de rumos. Mais que exigências culturais, os ritos de passagem são exigências da construção e da afirmação da identidade humana frente ao que o mundo nos apresenta. Diante deles, somos chamados a nos posicionar, a fazer escolhas, a agir com coragem na direção de algo novo, abandonando uma margem segura e conhecida.

Não é à toa que vemos muitas pessoas completamente atordoadas diante do casamento, talvez um dos maiores rituais humanos de passagem, fora a morte e o nascimento. É preciso realmente uma alta dose de desprendimento, coragem e uma direção certeira da vontade para mudar o status de “disponível e à procura” para o de “já decidi o que quero e estou dedicada a uma pessoa só”.

Casamento

O casamento modifica a identidade da garota que passa a ser “dona” de sua casa e passa a receber do mundo uma diminuição de sua valorização como símbolo sexual, e em contrapartida recebe olhares que esperam uma postura de transmissora dos saberes e mantenedora dos valores sociais “corretos”. E isso não se refere somente às mulheres que têm filhos, mas a todas as casadas. Afinal, uma garota que mantém dois namorados é apenas uma garota em dúvida, mas uma mulher que mantém dois parceiros é considerada uma adúltera. A sociedade entende que a mulher casada é alguém com o compromisso de formar uma família ou uma parceria. Estar comprometida é ser responsável por algo e isso tem um peso social.

Mudanças da puberdade

Na medida em que o rito do casamento se refere a uma escolha consciente, a uma tomada de decisão para mudança de status social, outros rituais, como a primeira menstruação e as mudanças corporais da puberdade são, ao contrário, inconscientes, instintivos e livres de qualquer escolha. A adolescência, afinal, é o mundo dos hormônios.

A menina, quando menstrua, também percebe as mudanças de olhares para si, especialmente da parte dos homens. A menstruação é uma marca física que se torna um rito cultural de passagem da infância para a adolescência e a consequente descoberta da sexualidade, da sedução e dos artifícios e poderes femininos. Geralmente, é acompanhada pelo crescimento dos seios e por outras mudanças corporais significativas, que lançam a mulher no campo do desejo.

Virgindade

A perda da virgindade é outro marco que traz uma mudança de status definitiva para a mulher. Por mais que existam operações de fechamento do hímen, não existe volta moral depois de seu rompimento. A virgindade é “perdida” como se fosse um tesouro feminino, guardado a sete chaves para ser arrebatado pelo bravo cavaleiro. A perda da virgindade moralmente é como um roubo abrupto da inocência, mesmo nos casos consentidos. Não que na prática isso seja efetivo ao pé da letra, mas socialmente existe essa marca, e ainda hoje se discute a virgindade em alguns posicionamentos religiosos, indicando que esse ritual é mais impactante do que se imagina.

Cirurgias plásticas

Não se pode deixar de falar hoje de um ritual que passou a ter uma representação social bastante forte para as mulheres: as cirurgias plásticas e as consequentes mudanças corporais, de autoestima, de posicionamento no mundo. É como uma adolescência consentida pelo livre-arbítrio. É quando decidimos brincar de Deus e modelar nossa forma ao sabor de nossa mente. Algo com uma força psicológica incrível e incomparável a outros processos. Ah, se houvesse silicone na época de Marilyn, talvez as divas teriam descido de seu universo mítico. Hoje se vê divas no metrô e essa evidência da sexualidade promove um jogo de poderes bastante forte.

Gravidez

Um ritual muito interessante do ponto de vista do amadurecimento feminino é a gravidez. Não pode existir marco mais reformulador da imagem, do status, da personalidade, do papel social, enfim… de toda a identidade da mulher. A gravidez é um estado que anuncia a exclusividade da mulher de gerar uma vida em si mesma, tornando-a, por aquele momento, especial, diferenciada. Um dos raros momentos, antes da velhice, em que podemos desfrutar socialmente de uma condição moralmente protegida, imaculada, intocável. As grávidas são portadoras de vida e portanto são cuidadas por toda a sociedade. É uma benção que marca a mudança do papel de filha para mãe.

A separação tornou-se um ritual moderno de destaque. Os divórcios hoje são bastante comuns (nem tanto quanto os casamentos, mas ainda sim, muito freqüentes). Para a mulher, o que já foi símbolo de desprestígio e desvalorização social, hoje geralmente representa uma libertação, após longo período de dor.

Menopausa

A menopausa é um dos rituais mais silenciosamente dramáticos da mulher. É o sinal de que a outra idade, aquela da qual temos medo, está logo adiante. É um sinal evidente de que a vida está caminhando para sua metade final. A degradação do corpo, o cansaço, o aparecimento das primeiras rugas e desgastes na pele, a saída dos filhos de casa, o fim da menstruação – lembremos que a menstruação está ligada a um passado sexualizado da mulher – todos símbolos de um recolhimento, um desinvestimento da mulher como objeto de desejo e sua preparação para o enfrentamento da velhice.

Para finalizar, vale relembrar os “pequenos” rituais femininos, como o primeiro beijo, a primeira viagem sem os pais, o primeiro buquê de rosas, a primeira paixão, a primeira melhor amiga, a entrada na faculdade, a festa de formatura, os primeiros passos e as primeiras falas do filho, e entre tantos outros que marcam nossa trajetória feminina. Ser mulher é ser marcada fortemente pelo impacto dessas mudanças.

Clarissa De Franco

Clarissa De Franco

Clarissa De Franco é psicóloga, com Doutorado em Ciência das religiões e Pós-Doutorado em Estudos de Gênero. Atua com Direitos Humanos, Gênero e Religião, além de ser terapeuta, taróloga, astróloga e analista de sonhos.

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