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Revoltas populares x submissão

Manifestações no Egito e Líbia trazem reflexão sobre individualidade

Atualizado em

Dizer que a Revolução Francesa aconteceu porque um grupo de pessoas um dia amanheceu revoltado e resolveu tomar a Bastilha é puro folclore. Dizer que o Marechal Deodoro proclamou a República de pijama é puro folclore. Dizer que os jovens em 68 queriam fazer sexo a céu aberto e por isso revoltaram-se é puro folclore. Mas talvez, em alguns anos, décadas ou em alguns séculos, ao se atribuir a causa das revoltas na Líbia e no Egito ao desejo dos jovens árabes de possuir ipod, será também puro folclore.

O termo globalização, muito em moda no final do século passado, é substituído hoje pelo mundo das redes sociais. Mais do que importar costumes, usarmos os mesmos produtos, assistirmos às mesmas séries, o que temos hoje é uma nova forma de relacionamento humano. Uma nova forma, sim, mas que embute encontros, desencontros, acertos, desacertos. Falta de comunicação, ganho e perda de afeto, como tem sido o relacionamento entre as pessoas, desde que temos noção de que o mundo é mundo.

Então, o que os jovens cidadãos do Egito e da Líbia pretendem? Terem o direito de acessar livremente a internet, poder comprar todo o tipo de gadget eletrônico, serem capazes de namorar, exercer livremente a sua sexualidade. Será só isso? Ou jovens que querem imediata liberação de um país onde homens e mulheres caminhem em pé de igualdade traduzam apenas uma repetição do que se viu no Ocidente na década de 60?

O que caracteriza hoje os movimentos que acontecem no chamado mundo árabe é a busca de uma nova identidade.

O que caracteriza hoje os movimentos que acontecem no chamado mundo árabe é a busca de uma nova identidade.

Uma identidade que, ainda que não abandone os dogmas religiosos, eles não se sobreponham ao desenvolvimento das pessoas. E, sobretudo, não impeça que sejam capazes de determinar e realizar suas próprias escolhas.

Trocas e mais trocas

As redes sociais, o uso intensivo das novas mídias, a cornucópia de informações, o livre acesso a todo e qualquer desejo, as regras ditadas pelo próprio sujeito, a busca incessante tornam-se palavras-chave. Tenho que buscar algo todo o tempo, me relacionar todo o tempo,trocar mensagens, fotos, traduzir o estado pessoal de espírito, desabafar, mostrar a intimidade, o instante do sentimento, trocar, trocar.

Troca-se de tudo no mundo das redes. De fotografia, de informações, de assinatura, de nome, pois pode-se utilizar o avatar que desejar. O mundo do ipod também e infinito. Armazena-se, deleta-se, edita-se. Vê e arquiva. Não vê e arquiva. Quem sabe o que vou querer no futuro?

Os jovens líbios e egípcios pretendem integrar um novo Facebook em seus países. Também querem trocar a individualidade terminada, sem espaço para o exercício do desejo, por uma individualidade baseada na pós-modernidade: o mundo é multifacetado e a pessoa tem o direito de exercer essas diferenças. Pode-se se autodefinir triste, alegre, zangada. Pode-se manifestar a opinião contra o time de futebol, contra a protagonista da novela, contra o político. Pode-se, no mundo das redes, notadamente se manifestar.

O mundo árabe é estruturado em uma só opinião, o primado religioso. O mundo do ipod é estruturado na escolha, no livre selecionar, na total amplitude de incluir, apagar, fazer listas, compor e desmanchar. No mundo do ipod uma opinião única não faz mais sentido. E é isso que os jovens árabes querem: um povo onde a diversidade possa predominar e fazer sentido.

Claudia Chaves

Claudia Chaves

Doutora pela PUC-RJ, professora de Técnicas de Texto e Atendimento Publicitário da PUC-Rio, professora de Gestão de Carreira do IBMEC. Atualmente desenvolve atividades de mentoring e aconselhamento de negócios, carreira e de vida.

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