Pesquisar
Loading...
  • Quando a saudade é sinal de apego

    Foco excessivo no passado deixa a vida sem movimento

    Atualizado em

    Ao tentar entender a saudade e a nostalgia, alguns podem se precipitar em dizer que é “coisa de quem só olha para trás, ao invés de olhar adiante”. Não podemos negar que boa parte do que esses sentimentos nos remetem está, sim, vinculada ao passado. Mas se por um lado o apego excessivo ao passado, às pessoas e coisas pode ser um entrave na vida de alguém, será que a saudade e a nostalgia não contém também uma indicação de futuro, de caminho a seguir?

    Vamos então desvendar esses conceitos, para compreender melhor o que acontece conosco nessas situações e saber lidar melhor com elas. A saudade está no coração de quem quer viver no aqui e agora um ideal (de pessoa, de lugar, de situação) e sente essa ausência. Mas isso não é o mesmo que estar apegado. A nostalgia pode aparecer às vezes como um sentimento de melancolia pelo afastamento de algo, embora tampouco indique estar paralisado. Já o apego é, sim, a paralisia psíquica, emocional e consequentemente comportamental.

    Só para dar alguns exemplos, imagine se você não consegue deixar de pensar sobre o quanto seria bom se tivesse agido de outra forma, em uma situação do passado. Nesses casos, você está fazendo um movimento reflexivo, já que é saudável pensar: “ah, se eu pudesse voltar no tempo mudaria isso…”. Por outro lado, pensar: “sinto tanta saudade do que não posso ter aqui e agora e, por isso, não consigo viver outros aspectos da minha vida”, deixa de ser positivo. Nesses casos, o apego deixa a pessoa sem movimento, ou seja, fixada em uma determinada história.

    Valorize o passado

    É saudável termos em conta nosso histórico de vida e tudo que vivemos no passado. Nossas raízes e sentimentos mais profundos não devem ser menosprezados diante da “novidade” que é a experiência do dia-a-dia. No entanto, convém lembrar que preservar um espaço da nossa história não é sinônimo de “fixação” nestes pontos. Afinal, não devemos nos petrificar como estátuas dentro de certos espaços, momentos e histórias. Isso é como ficar numa poça de água parada, onde os elementos que antes tinham vida já apodreceram.

    O músico Raul Seixas nos deixou como herança obras de valor inestimável. A música “Metamorfose Ambulante” é uma delas, pois fala de como somos “vários” em um só, e do quanto é preferível buscar conexão com o nosso bem-estar, ao invés de viver em um estado de conservadorismo que não leva a lado nenhum. “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Sobre o que é o amor, sobre o que eu nem sei quem sou”, disse o cantor. Isso não significa não ter um eixo ou ser sempre distante do que fomos antes. Mas significa que mesmo sem fugir do passado ou da nossa essência, estamos em constante processo de transformação. Afinal, o passado se atualiza a cada dia nas nossas novas experiências.

    O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung deixou claro que podemos dar vida a vários aspectos da nossa personalidade, que a nossa busca deve ser sempre por ampliar quem somos hoje. A ideia é nos integrar em uma personalidade mais rica, vivendo experiências não só do “novo”, mas também do “mais antigo” que há em nós. Jung dizia que é preciso “nascer e morrer” dentro de uma mesma existência para que haja a transformação. Teoricamente é fácil entender, mas como viver isso na prática?

    Essas “mortes” simbólicas a que Jung se referia são as nossas experiências de vida, de rompimento de padrões, de relacionamentos e de laços para uma renovação. O objetivo é que a água não fique parada e apodrecida, mas sim que corra pelo rio. E é dessa forma que sentimos ter vida!

    Diga não ao apego, reinvente-se

    Deixe morrer mágoas, ressentimentos, dores, medos, inseguranças, fraquezas e apegos, para renascer cada dia mais forte e inteiro. Experimente a vida e tente se abrir para o novo e para a riqueza do que ainda não conhecemos – isso não irá apagar o passado, mas ele renascerá integrado na nossa própria história.

    Precisamos acolher e conviver com a nossa própria realidade interior, sem ser dominados por ela. Em resumo, lembre-se que toda conquista tem suas perdas, toda nova etapa deixa outras para trás e a nossa plenitude é formada dessa totalidade, sempre se dirigindo ao alcance de mais – sem apegos e em movimento constante e autêntico.

    Marianna Protázio

    Marianna Protázio

    Psicóloga, Psicoterapeuta Junguiana, Mestre e Doutora nas áreas de Ciências da Literatura e Estudos de Mulheres, Gênero e Cultura. Atuação clínica voltada aos desafios contemporâneos do feminino, por um olhar que busca, nas imagens e símbolos, autenticidade e criatividade. Fundadora do site Psique Criativa, que aborda temas como relacionamento, sexualidade, vocação, sonhos e autoconhecimento.

    Saiba mais sobre mim