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O desafio de cuidar de pais idosos

Difícil aceitação do processo de envelhecer causa desconforto e embates na família

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No início da vida, o bebê conta com a proteção e os cuidados dos pais biológicos, de algum familiar ou de pais adotivos. O ser humano depende disso para sobreviver e se desenvolver física, emocional, afetiva e socialmente. Somos gregários, interdependentes, gostamos do contato com outras crianças quando pequenos, formamos grupos na adolescência, buscamos um companheiro ou companheira e desejamos formar uma família. Ou optamos por seguir sem formar uma família, mas de qualquer forma, em condições normais, seguimos unidos a amigos, colegas profissionais ou grupos de interesses comuns.

Muitas pessoas, na idade adulta, mantêm laços estreitos com suas famílias de origem, seja por amor, por necessidade ou por um senso de dever e solidariedade. O fato é que os pais envelhecem enquanto estamos ainda numa fase produtiva e atuante, e precisam dos cuidados e da atenção dos filhos: os papéis se invertem.

Os pais têm suas tábuas de valores que já não são mais os nossos próprios. O idoso tem manias, mais dificuldade de aceitar novas formas de viver e resistência em concordar que seus filhos possam seguir sem depender de seus conselhos.


Devemos lembrar que esses idosos fazem parte de uma geração que não teve a oportunidade de entrar em contato com esse infinito universo de informações que temos hoje. Eles fazem parte de um grupo ainda preconceituoso com relação a terapias que promovem o autoconhecimento, aprenderam a viver sem muitos questionamentos, todavia não com menos problemas ou traumas.

Mas nada disso significa que não seja trabalhoso, difícil e até mesmo muito desgastante acompanhar o declínio desses pais, muitas vezes intransigentes.

Alguns se predispõem a uma certa abertura para absorver e acompanhar a evolução social, mas outros não: como rochas, eles se recusam a sair do lugar. Como crianças birrentas, eles se arvoram o direito de viver a vida como bem entendem, ainda que isso provoque desconforto e embates no seio familiar. Tudo isso pode fazer parte da difícil aceitação do processo de envelhecer, especialmente quando o idoso foi uma pessoa ativa, um profissional atuante ou o “cabeça” da família. E, por isso, perder sua independência e autonomia pode ser muito doloroso.

São inúmeras as formas de manifestar esse traço de personalidade e temperamento que esbarram na lógica e na paciência dos filhos. Vamos citar algumas:

  • se recusar a ir ao médico ou tomar remédios conforme a prescrição;
  • driblar o banho e os cuidados com a higiene;
  • não considerar a opinião dos outros;
  • se recusar a seguir determinada dieta;
  • insistir em realizar tarefas que coloquem sua segurança em risco, como usar facas afiadas na cozinha, trocar lâmpadas ou mesmo ir ao mercado atravessando ruas perigosas.

Mas como lidar com a teimosia?

Obviamente tudo fica mais fácil quando a relação entre pais e filhos ao longo da vida foi permeada por uma convivência íntima e afetuosa. O diálogo calmo e sem imposições pode facilitar a aceitação da nova realidade do idoso. Ao invés de: “Mãe, você tem que tomar os remédios no horário”, você pode tentar “Mãe, como nós podemos fazer para não perder a hora de tomar os remédios?”. Ou ainda: “Pai, deixa eu esfregar suas costas e depois você esfrega as minhas, no banho? É difícil alcançar as costas sozinho!”, ao invés de “Pai, nada de ficar sem banho!”. Outra possibilidade: “Vamos colocar uma barra de apoio no banheiro para seu banho ficar mais fácil e seguro?”, ao invés de “Vou instalar uma barra no banheiro para você não se arrebentar tomando banho”. E assim, juntos, sem imposições frontais, pais e filhos podem encontrar soluções para as novas necessidades sem criar situações estressantes.

Explicar, argumentar demonstrando carinho e preocupação com o idoso, pode ser um caminho para quebrar a impressão que ele tem de estar sendo sempre criticado em tudo o que faz ou escolhe.

A mesma paciência deve ser empregada quando um filho percebe que aquele tapete ou móvel vai colocar a segurança de seus pais em risco. Decidir sobre o que sempre foi deles, como a arrumação da casa, é invasivo, despersonaliza o ambiente e incomoda o idoso. Mas você conhece seus pais e saberá como falar para não desvalorizar os argumentos deles.

Quando os filhos saem de casa, os pais sentem essa perda. Ficam mais carentes de atenção e afeto e muitos costumam cobrar essa atenção de diversas formas. Como eles nem sempre identificam conscientemente que estão carentes, buscam chamar atenção pela teimosia. Assim, cabe aos filhos ter a sensibilidade de perceber esse movimento e procurar estar presente mais vezes no dia a dia dos pais e fazer alguma atividade juntos, como levar as compras, cozinhar ou distribuir tarefas possíveis para eles na arrumação da casa. Isso faz com que esses pais se sintam não apenas pertencendo ao universo dos filhos, como também resgata a autoestima deles. É nas atitudes que podemos demonstrar o amor e retribuir o zelo com o qual também fomos cuidados.

Cuidados com idosos

Existe ainda a realidade de muitos filhos que moram com os pais e cuidam de um ou ambos diariamente. Ainda que não morem na mesma casa, assumir sozinho a responsabilidade de cuidar de pais idosos pode ser muito desgastante e exaustivo até, principalmente para quem é filho único ou tem irmãos que moram longe.

Quem cuida não deve abdicar de sua vida pessoal. É preciso pedir ajuda, distribuir tarefas, compartilhar responsabilidades. Quando for possível, contratar um profissional para acompanhar o pai idoso pode ser uma solução. Mas quando essa possibilidade não é viável, conte com a ajuda de familiares e vizinhos, não apenas para os cuidados práticos, mas especialmente para cuidados afetivos: bater papo, assistir um programa de TV juntos, fofocar um pouco, ouvir as queixas, ser solidário.

Muitos familiares acreditam que basta colaborar com alguma quantia em dinheiro para pagar um cuidador, e terão feito sua parte. Isso é um engano, já que a presença de pessoas queridas é um excelente remédio contra a solidão na velhice, nem que seja através de telefonemas diários.

Quando um idoso se sente querido, ele certamente é menos teimoso, menos ranzinza e será mais cordial e compreensivo.

É fundamental ter em mente, especialmente se o idoso for lúcido e puder decidir sobre sua vida, que a opinião dele a respeito de suas necessidades deve ser respeitada. Alguns preferem viver sozinhos, então é preciso dar condições para que isso ocorra, falando abertamente sobre determinados itens que não podem faltar no que diz respeito à segurança: ausência de tapetes na casa, barras no banheiro, deixar comidas prontas para evitar ao máximo o uso do fogão. Antes de considerar essa possibilidade como definitiva, é bom verificar junto à família quem pode acolher esse idoso e deixar que ele escolha em qual casa deseja morar. Passar o fim da vida de casa em casa por curtos períodos de tempo pode não ser uma boa opção para ele, que poderá se sentir um estorvo, dificilmente ficará à vontade e permanecerá sem referência de lar, a menos que ele mesmo manifeste o desejo de viver assim.

Todos vamos envelhecer e precisar de cuidados. Quanto mais saudável for a relação entre pais e filhos ao longo da vida, quanto mais intimidade, cumplicidade, respeito e afeto houver, mais facilmente essa transição se dará e o relacionamento será mais amigável.

As grandes brigas e estresses acontecem normalmente, porque quem cuida quer fazer valer sua opinião, seu jeito de arranjar as coisas, esquecendo que o idoso não é um incapaz a menos que tenha sido acometido por alguma doença que lhe tire o discernimento. Fundamentalmente ele quer ser considerado, se sentir incluído, não ser ridicularizado pelas limitações que a idade impõe. O idoso quer carinho, atenção, respeito e consideração. Isso é fundamental. Quando ele se sente suprido desse alimento emocional, tudo se torna mais fácil no trato. Mas quando não está emocionalmente nutrido, o lado difícil aparece com mais contundência e ele pode se tornar um ranzinza irrequieto ou entrar num estado depressivo.

Claro que existem situações mais ou menos delicadas ou difíceis, e certamente a tranquilidade dos relacionamentos depende da boa vontade de todos. O que se deve ter em mente é o dia de hoje. E quanto mais cada um puder dar o melhor de si procurando cultivar a paciência, o bom humor e a atenção às necessidades emocionais de nossos velhos, esse momento da vida não precisará parecer um fardo para quem cuida, nem um constrangimento para quem é cuidado.

Celia Lima

Celia Lima

Psicoterapeuta Holística, utiliza florais e técnicas da psicossíntese como apoio ao processo terapêutico. Presta atendimento também por meio de terapia breve com encontros semanais, propondo uma análise lúcida e realista de questões pontuais propostas pelo cliente objetivando resultados de curto/médio prazo.

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