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  • “Gravidade”: você é autor de seu destino?

    Filme mostra que descobrir sua motivação é caminho para sair da inércia

    Atualizado em

    A jornada de nossa própria existência não é tarefa fácil. São tantas situações limitantes que às vezes a vontade é viver despropositadamente, apenas cumprindo o que é exigido pelo corpo, sobrevivendo sem grandes emoções, levando e empurrando a vida como der. Relações pessoais? Só as indispensáveis, pois se pudéssemos viveríamos no isolamento ou no seu extremo oposto: a variedade e multiplicidade das relações efêmeras, que no final resultam no mesmo vazio. E até conseguiríamos conduzir a vida assim por certo período. No entanto, mais cedo para alguns e mais tarde para outros, chega o dia em que a fome por significado e por motivação para seguir em frente supera qualquer inércia que tenha se instalado em nossos corações. Somos então convocados a sair desse limbo e decidir entre renascer ou deixar-se morrer.

    Mas como saber identificar que você está vivendo uma vida sem propósito e sem significado? Em “Gravidade” (2013), filme indicado ao Oscar do diretor mexicano Alfonso Cuarón, assistimos um drama que tem palco no espaço sideral, a mais de 600 km de altura. Ali vemos a órbita terrestre, telescópios e dois astronautas, personagens principais estrelados por Sandra Bullock e George Clooney, que se encontram sozinhos vagando pelo espaço após um acidente que destruiu a estação espacial em que trabalhavam.

    O filme revela o drama desta mulher que perdeu tudo que mais amava e vivia sua vida de forma apática, sem grandes interesses ou motivações. Sozinha e aparentemente sem qualquer credo espiritual, Dra. Ryan Stone não encontrava motivos para ter uma existência significativa.

    O filme revela o drama desta mulher que perdeu tudo que mais amava e vivia sua vida de forma apática, sem grandes interesses ou motivações. Sozinha e aparentemente sem qualquer credo espiritual, Dra. Ryan Stone não encontrava motivos para ter uma existência significativa.

    Por fim, com o acidente na estação espacial, a vida lhe trouxe a possibilidade de desistir de tudo e jamais pisar na Terra novamente. Era a oportunidade “ideal”, quem ficaria sabendo? Não havia ninguém para chorar sua morte, tampouco havia alguém por quem lutar para sobreviver. Do outro lado da tela, bem embasados por nossas próprias experiências, desejamos que ela lute pela vida, nos afligimos na plateia com suas reflexões e angústias, pedimos internamente que ela não desista de si própria.

    Filme ensina a crescer com a grandeza de suas tarefas

    Mas assim como pouco ouvimos a plateia quando estamos no papel principal de nossas vidas, Dra. Stone não pode nos ouvir. Como, então, esse chamado interno para sair dali conseguirá acessar a nossa heroína? De que maneira ele se apresenta? O psicólogo suíço Carl Gustav Jung chegou a expressar em certa ocasião: “Diz-se com razão que o homem cresce com a grandeza de sua tarefa. Mas ele deve ter dentro de si a capacidade de crescer, senão nem a mais árdua tarefa servir-lhe-á de alguma coisa. No máximo, ela o destruirá”.

    O chamado ou convocação por uma vida com significado chegou a Dra. Stone de uma maneira muito dolorosa, da mesma maneira como acontece conosco. Sua tarefa mostrou-se dificílima e ela teria que fazer tudo sozinha. Sabemos que no desempenho de tarefas grandiosas os momentos de dúvida são recorrentes, porém sentimos a urgência de não desistir. Em certas situações, no entanto, quando não parece haver horizonte, é difícil manter o eixo e pensamos constantemente: “eu não sou a pessoa ideal para cumprir essa missão”.

    Acompanhando essa linha, no momento ápice do filme vemos Dra. Stone se despir da roupa de astronauta, desligar o oxigênio que lhe alimentava, fechar os olhos e flutuar dentro da nave em posição fetal – coisa que nós próprios eventualmente já sentimos algum dia, querendo voltar para o aconchego de um estado quase indiferenciado, no qual a vida e a morte se confundem.

    A depressão e até as situações de quase morte que muitas pessoas se lançam muito tem a ver com essa desistência da vida: seja na relação com as drogas, com o álcool, ou em aventuras extremas que beiram o precipício. Algo precisa puxar-nos de volta, que seja um propósito, uma lembrança, um desejo, um amor. Precisaremos ir ao inferno e retornar dele inteiros.

    Algo precisa puxar-nos de volta, que seja um propósito, uma lembrança, um desejo, um amor. Precisaremos ir ao inferno e retornar dele inteiros.

    E assim foi feito. Movida por um princípio heroico – simbolizado pela visita de seu colega astronauta Matt Kowalsky – Dra. Ryan Stone compreende que a capacidade interna de crescer com a sua tarefa não estava perdida. Emocionada com sua própria superação, ela vê o nascer do Sol e volta a valorizar a beleza de estar viva.

    O final do filme nos brinda com uma das mais belas cenas de renascimento de que tenho conhecimento: ao cair na Terra em uma aterrisagem emocionante, Dra. Stone submerge no útero dessa grande mãe até que, saída do meio do oceano, pisa descalça como se fosse a primeira vez no solo do seu próprio planeta. Seus primeiros passos são como se estivesse reaprendendo a andar. São passos conscientes e cheios de propósito, ainda que um pouco vacilantes, diante da imensidão da vida que lhe espera. Nossa heroína é agora uma pessoa transformada, que teve a humildade de aprender com a sua própria tarefa e por isso pode dizer com consciência: “sou coautora de meu próprio destino”.

    Marianna Protázio

    Marianna Protázio

    Psicóloga, Psicoterapeuta Junguiana, Mestre e Doutora nas áreas de Ciências da Literatura e Estudos de Mulheres, Gênero e Cultura. Atuação clínica voltada aos desafios contemporâneos do feminino, por um olhar que busca, nas imagens e símbolos, autenticidade e criatividade. Fundadora do site Psique Criativa, que aborda temas como relacionamento, sexualidade, vocação, sonhos e autoconhecimento.

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