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Contos de fada atuais mudam imagem da mulher

Novas heroínas são independentes e desmistificam ideia do amor romântico

Atualizado em

Os contos de fada, assim como os mitos, as lendas e as fábulas, falam a linguagem da alma. Eles são uma espécie de sonho coletivo. Em termos psicológicos, os contos são a expressão mais pura e mais simples dos processos psíquicos que ocorrem no inconsciente coletivo e, por isso, são muito utilizados pelos psicoterapeutas para compreender as pessoas.

E cada conto de fada pode ser analisado sob vários ângulos, levando a uma infinidade de análises.

Um dos aspectos pelo qual podemos observar os contos é o feminino. Temos várias histórias nas quais o herói é representado por uma mulher, uma princesa, uma camponesa ou uma rainha, por exemplo.

E atentando para esses contos, podemos observar os problemas pelos quais a mulher passa, bem como o modo que a psique feminina pode se desenvolver.

Uma das coisas mais interessantes dos contos de fada clássicos é que geralmente a heroína é diferente do herói. Enquanto o homem costuma enfrentar bruxas, feiticeiros e dragões, a mulher geralmente suporta algo ou fica apenas passiva diante dos desafios.

Vemos em Branca de Neve, Rapunzel, A Bela Adormecida ou Cinderela, que elas não realizam grandes feitos, apenas esperam, dormem ou tricotam e tecem, como no conto “Rumpelstilsequim”, no qual a futura rainha deve fiar, com o intuito de escapar da morte.

Por que algumas princesas são submissas e apáticas?

Bem, se voltarmos um pouco no tempo e analisarmos a época em que os contos se tornaram populares, veremos e entenderemos um pouco mais a situação da mulher. Os contos de fadas eram estórias transmitidas oralmente, com a intenção de entretenimento dos adultos, ou seja, originalmente não eram voltadas para crianças.

Elas começaram a ser registradas em livros na Idade Média, principalmente pelos Irmãos Grimm, que foram os pioneiros na escrita dos contos de fada.

Pois bem, nessa época havia uma intensa “caça às bruxas” e o patriarcado havia se instalado. Sendo assim, tudo o que era relacionado ao feminino passou a ser perseguido. Qualquer mulher que andasse sozinha na floresta, que ousasse exprimir sua opinião ou que buscasse ervas medicinais era queimada na fogueira.

A energia feminina, então, foi reprimida e atitudes tidas como masculinas, como a agressividade, a competitividade e a racionalidade passaram a ser a “bola da vez”.

No contos, vemos então a forte presença de características da energia feminina, como a espera, a paciência e principalmente a valorização do amor, cujo desfecho costuma ser com um casamento.

Branca de Neve, Rapunzel, Cinderela, Bela Adormecida, entre outras, sempre se casam com o príncipe no final.

Valente, Frozen e Malévola: heroínas não esperam pelo príncipe encantado

Por essa razão, é interessante notar como as meninas de hoje em dia ficam em êxtase com as princesas. Filmes da Disney são fontes de criatividade e de uma busca de identificação com o papel feminino para as crianças.

E por isso torna-se cada vez mais importante e necessário para o nosso equilíbrio psíquico, enquanto indivíduos e sociedade, a busca pelo equilíbrio das energias masculinas e femininas.

O resgate do feminino vem ocorrendo aos poucos, mas de forma constante. E podemos observar isso nas crescentes adaptações do cinema e televisão dos contos de fada.

Novas releituras, como Valente, Frozen e Malévola vêm mostrando, além da busca da compreensão do nosso inconsciente, os novos caminhos que o feminino vem tomando. Nessas novas releituras, algo de interessante ocorre.

Em Valente, Frozen e Malévola, as personagens principais encontram a redenção no amor, mas não por meio do amor de um homem. No final das três adaptações não há casamento.

E o amor é experienciado pela relação mãe e filha (Valente e Malévola) ou de irmãs (Frozen).

Em Malévola, por exemplo, a redenção da fada não poderia vir pelo masculino, visto que este a traiu, mas por uma menina que a faz relembrar seu lado amoroso, recordar de um tempo em que era feliz. Assim, ela retoma a compaixão e o amor.

Em Valente, a heroína resgata sua mãe da prisão que é o papel imposto à mulher pela sociedade. A rainha-mãe é o feminino que precisa seguir as convenções determinadas, com comportamentos ditados pela sociedade e que, provavelmente, foi passado por sua mãe. Merida, a pequena valente, é o aspecto juvenil cheio de sonhos, que a mãe teve que reprimir.

Ela é indomável, selvagem e deseja se casar por amor. A rainha, por medo de sua própria sombra, tenta reprimir isso em sua filha. Mas ambas se identificam uma com a outra. A redenção ocorre quando a menina, por meio da mãe terrível simbolizada pela bruxa – mas que também possui um aspecto de velha sábia – lhe oferece o veneno que também cura.

Com a poção, a rainha conseguiu acessar novamente seus instintos femininos e maternos. E Merida amadurece, se tornando capaz de assumir responsabilidades e de ser uma majestade perfeitamente feliz.

Em Frozen, a redenção de ambas as irmãs Elza e Ana ocorre quando elas demonstram amor verdadeiro uma pela outra. Em nossa sociedade, infelizmente existe um estereótipo de que as mulheres não são companheiras.

E a metáfora de Frozen não serve apenas para irmãs de sangue, mas também para irmãs de coração. Ana é traída pelo seu primeiro amor e Elza é julgada por ser diferente e poderosa pela sociedade. Mas sua irmã não a julga e não a teme.

E por meio desse amor e da aceitação da forma de ser uma da outra que ocorre a salvação delas e do reino.

Portanto, esses novos contos nos mostram que a mulher deve resgatar seus valores por meio do amor ao feminino. Seja como mãe, filha, irmã ou amiga. A mulher hoje conquistou seu espaço no mercado de trabalho, mas muitas se afastam de seus aspectos de doçura, paciência, amabilidade e sensibilidade, vendo essas características como algo fraco e inaceitável.

Aceitar esses aspectos e integrá-los novamente trará grande beneficio à sociedade, que está extremamente competitiva e agressiva, principalmente com a natureza.

O único aspecto negativo dessas novas adaptações dos contos de fada é que o masculino foi deixado de lado na consumação do amor.

Se por um lado foi necessário colocá-lo em segundo plano, em breve será preciso olharmos novamente para ele, pois o equilíbrio e a união dessas duas forças é que nos farão seres humanos mais completos.

 

Hellen Reis Mourão

Hellen Reis Mourão

É analista Junguiana e especialista em Mitologia e Contos de Fadas. Atua como psicoterapeuta, professora e palestrante de Psicologia Analítica em SP e RJ.

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