Pesquisar
Loading...

Celular: a arma que dispara contra sua relação

Uso frequente de tecnologia entre casais desperta os piores sentimentos

Atualizado em

Quem nunca observou um casal no restaurante, cada um se relacionando perfeitamente bem… com seu celular? Quem nunca reparou, numa caminhada ou numa praça ou parque, casais, lado a lado, cada qual com seu fone de ouvido plugado no celular?

Muitos casais não se dão conta que passam o dia “teclando”, perguntando sobre cada passo do outro, discutindo, brigando, combinando coisas que não chegam a um termo. Outros tantos ficam irritados porque o outro demorou dois minutos para responder a uma pergunta, ou porque foi lacônico, “seco”, indiferente… E ainda há aqueles que “inventam” assunto e permanecem “conectados” o tempo todo!

São inúmeros os casais que se queixam de falta de comunicação em casa. Pessoas que se sentem estranhas umas às outras e se enchem de equívocos, simplesmente porque estão desacostumadas a fazer uma leitura corporal.

Ou seja, não conseguem decifrar um olhar amoroso ou desapontado, um gesto sedutor, ou não entendem o que está por trás de uma entonação de voz.

Pessoas que têm o celular como uma extensão do braço, que ficam aflitas quando a bateria está por um fio e não conseguem ler ou fazer aquela “pergunta tão importante” antes de finalizar o assunto. Estas acabam por se tornar ansiosas e acreditam estarem perdendo o controle de alguma coisa, mesmo que não tenham clareza do quê.

Tecnologia cria dependências desnecessárias nas relações

A necessidade de estar sempre conectado com seu par (ou mesmo com um familiar ou amigo) acaba criando necessidades desnecessárias, uma falsa dependência da opinião do outro para tudo, como se fosse impossível decidir sobre algo sozinho, sem contar com cumplicidade ou aprovação de alguém.

Quando essas pessoas se encontram à noite ou no fim de semana, não percebem que esvaziaram qualquer possibilidade de trocar ideias pessoalmente.

Quando se encontram, tudo está esgotado, não há nada a dizer e passam a discutir sobre o que foi escrito durante o dia. Com o celular em mãos, vão repetindo o diálogo, questionando o que o outro quis dizer com aquela frase ou com o silêncio de meia hora:

“Mas eu vi que você estava online! Com quem estava falando que não pôde responder à minha pergunta?”.

Celular: a arma que dispara acusações

Sim, o celular é usado como uma arma! Uma arma que dispara acusações, que desperta os piores sentimentos de ciúmes e rejeição, que rouba o tempo precioso que poderia estar sendo usado para coisas produtivas. O celular é usado como uma arma de controle.

O que pensamos ou queremos acreditar que se trata de cuidado com o outro, o que queremos acreditar que se trata de participar ou querer que o outro participe de nossas vidas, na maior parte das vezes se trata apenas de um desejo de controlar o outro. Perde-se de vista que não somos o centro do mundo, não somos o centro da vida de ninguém. Não conseguimos controlar nem a própria existência, quanto mais a vida de alguém!

Mas isso vai ainda mais longe: na ânsia de descobrir “segredos”, as noções de privacidade e respeito são esquecidas. É preciso vasculhar o celular do parceiro ou da parceira, é preciso saber quem é cada uma das pessoas com quem o outro trocou duas palavras. É preciso conhecer as senhas (e isso inclui senhas das redes sociais, do email e de tudo que conecte o par ao mundo) para ter acesso a tudo o que o outro parece fazer, com quem conversa, que tipo de grupo participa e por aí vai. Isso tudo rende infindáveis discussões, ativa a imaginação e a palavra falada do outro perde o valor diante do que está escrito.

Necessidade de controle estimulada pelo celular deteriora relações

Relacionamentos promissores entre pessoas que se gostam se deterioram, porque a ilusão do controle sobre a vida, os pensamentos e os desejos do outro parece ser vital: “se eu não souber tudo, se ele (ou ela) estiver “escondendo” alguma coisa é porque não me ama, então não posso confiar. Por isso, eu investigo suas mensagens!”.

As pessoas esquecem que também têm seus segredos (todos temos!), suas “derrapadas”, seus desejos inconfessáveis. Não é porque não está registrado, escrito, que não existem. Mas parece que a dinâmica da relação precisa passar pela desconfiança respaldada no que se viu nas redes sociais, pelo que se leu ou deixou de ler nos meios de comunicação virtual.

Olhe nos olhos, ao invés de olhar para uma tela

O que se espera de relações que têm o mundo virtual como fio condutor do contato entre os pares? Será que é possível ter um relacionamento saudável, com condições de amadurecer e prosperar quando o contato real entre almas ocorre ocasionalmente, depois de discutido e rediscutido o contato virtual? Ou quantas pessoas escrevem com destreza, mas no momento do encontro não têm o que dizer? As palavras faltam? Parece que a intimidade se esvai no contato pessoal…

Olhar nos olhos ao invés de olhar para tela e sentir a textura da pele ao invés de olhar uma selfie (para, às vezes, provar que se estava no lugar declarado) tornam-se urgentes, caso se queira preservar e ter contato com um afeto.

É urgente refletir sobre o uso que se faz da tecnologia na vida a dois. É preciso reverter essa dinâmica, a tempo das pessoas perceberem que o outro cuidou dos cabelos porque tocou nos cabelos da pessoa, ou verificar como ficou a tatuagem no corpo porque contemplou o corpo – e não apenas viu foto da parte que coube na tela. É preciso resgatar o apreço pela surpresa, pelo silêncio…

Será que não seria interessante desconstruir a falsa necessidade de que os acontecimentos precisam ser relatados em tempo real, para que se tenham histórias para contar no próximo encontro? Para que a graça dos gestos e um tom teatral não emprestem à relação cores mais vivas? Para que o diálogo seja mais frutífero e proveitoso? Para que se possa sentir o tempo passar e as pessoas se enxerguem envelhecendo juntas e íntimas no mundo real?

Celia Lima

Celia Lima

Psicoterapeuta Holística, utiliza florais e técnicas da psicossíntese como apoio ao processo terapêutico. Presta atendimento também por meio de terapia breve com encontros semanais, propondo uma análise lúcida e realista de questões pontuais propostas pelo cliente objetivando resultados de curto/médio prazo.

Saiba mais sobre mim