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  • A coragem de buscar a si mesmo

    Filme "Livre" detalha jornada da escritora Cheryl Strayed para fazer as pazes com a própria história

    Atualizado em

    Quem nunca pensou em largar tudo para trás e passar meses com a mochila nas costas, aprendendo a se virar? Quem nunca quis dar uma virada na vida e apagar as marcas ruins da própria história, recomeçando como se tivesse ganhado um caderno limpo? Pois é disso que se trata o filme Livre, Wild (selvagem) no original, baseado na história real da escritora Cheryl Strayed.

    A caminhada de vida para reencontrar o caminho da felicidade após muitas dores é a jornada interpretada pela atriz Reese Whiterspoon, que após uma sequência de papeis sem muito brilho (como é o caso de Legalmente Loira), consegue reencontrar a admiração de Hollywood, sendo indicada ao Oscar de melhor atriz.

    Cheryl é uma jovem adulta que parte para uma difícil trilha nos EUA de 1770 Km, pretendendo superar um passado cheio de traumas e caminhos aflitos. Sua mãe, personagem central da trama, falecera há alguns anos, deixando na vida da garota um buraco de drogas, falta de sentido e solidão.

    A mãe é interpretada pela lânguida atriz Laura Dern (também indicada ao Oscar), e durante anos sustenta financeira e psicologicamente os filhos, por meio de uma filosofia otimista de vida, permeada por músicas cantaroladas. Esta, aliás, é uma marca do filme. As memórias, tanto as angustiantes quanto as leves e felizes, são regadas pelas cantigas e pelo sorriso discreto e conformado da mãe. Uma personagem que preserva os filhos do impacto da perda do pai, alcóolatra e violento, blindando Cheryl e seu irmão (mais novo) dos problemas de uma vida real.

    E justamente com a morte da mãe por câncer é que tudo desmorona. Cheryl vê-se diante de um mundo cru, solitário e sem rumo. Não dá conta de elaborar sua dor sem se entregar a vícios de sexo fácil e heroína. Seu marido, um amor importante desde a faculdade, ao saber de suas ações, não consegue permanecer ao seu lado e rompe o relacionamento de sete anos.

    Elo de ligação

    Além das músicas cantaroladas, outro símbolo importante é o cavalo, que aparece como um elo de ligação entre Cheryl e seus bons afetos (mãe e marido). O diretor consegue estabelecer um paralelo rico entre a morte do cavalo e a da mãe, algo de significado marcante no filme. Não por acaso, a última foto da verdadeira Cheryl quando trilhou o caminhou mostra sua tatuagem de cavalo no braço, feita para manter a ligação entre ela e o marido que acabavam de se divorciar.

    Na Psicologia simbólica, o cavalo representa o instinto, o impulso de vida e a motivação que nos tira da cama diariamente e nos leva para nossas aventuras diárias. É a coragem de viver e se lançar às experiências. Cheryl aproveitou seu cavalo e com força se lançou a três meses de solidão.

    Durante a trilha, memórias espontaneamente foram surgindo e outras eram conscientemente evocadas, fazendo com que o expectador consolide sua compreensão dos fatos em pedaços. O título do filme em português, Livre, parece desconectado com a sensação que perdura a maior parte do tempo, afinal, Cheryl mostra-se profundamente apegada e presa às suas vivências de dor. A personagem apresenta um lado fútil e amargo em alguns momentos, em contraste com a figura da mãe.

    Cheryl mostra-se profundamente apegada e presa às suas vivências de dor. A personagem apresenta um lado fútil e amargo em alguns momentos, em contraste com a figura da mãe.

    Esta, por sua vez, incita a filha a fazer o “caminho da beleza” e a presenciar diariamente o nascer e pôr do Sol, colocando-a anos depois, sem saber, na Pacif Crest Trail, a trilha que mudou a vida de Cheryl, a heroína da história.

    Liberdade após encarar o medo e a solidão

    As memórias se juntam às vivências da trilha: caronas de desconhecidos, homens ameaçadores, hospedagens curiosas, eventuais companheiros de caminhada, necessidades fisiológicas, dores físicas, animais selvagens, erros de caminhantes de primeira viagem, unha arrancada, sangue, falta de comida… Uma lista de infindáveis surpresas e “perrengues”. Parte da cura de Cheryl também se deu em um encontro sexual em que houve entrega verdadeira e a personagem expôs suas marcas de trilha ao parceiro.

    Após os medos, as descobertas e a solidão da jornada, Cheryl finalmente se encontra com a liberdade do título e se vê livre para cavalgar rumo a uma nova história. Reese, ao dar vida à confusa Cheryl, também se reencontra com seu talento, fazendo as pazes com a academia do cinema. Eis o prêmio que a vida oferece a quem tem a coragem de trilhar a jornada do autoconhecimento: as pazes com a própria história e a liberdade de ser quem é.

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    Clarissa De Franco

    Clarissa De Franco

    Clarissa De Franco é psicóloga, com Doutorado em Ciência das religiões e Pós-Doutorado em Estudos de Gênero. Atua com Direitos Humanos, Gênero e Religião, além de ser terapeuta, taróloga, astróloga e analista de sonhos.

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